Título: Segurança e democracia
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/03/2006, Nacional, p. A6

Presidente da Câmara vê ameaça à soberania nacional na ação do narcotráfico

Aldo Rebelo, presidente da Câmara dos Deputados, é de esquerda, milita no PC do B, mas não compartilha do pensamento predominante entre seus companheiros a respeito dos meios e modos de o poder público enfrentar a criminalidade.

Na opinião de Aldo, falta repressão e sobra "leniência doutrinária" na maneira com que os governantes lidam com um assunto que, na visão dele, é hoje uma questão de Estado que põe em perigo a soberania nacional e os próprios fundamentos da democracia.

Isso sem contar o risco objetivo, de vida, imposto à população. "Há um equívoco de concepção na tendência de atribuir as causas da violência à desigualdade social. Como conseqüência, as autoridades se intimidam de fazer valer o monopólio da força do Estado no combate à criminalidade com medo de serem acusadas de agredir os direitos humanos."

Nisso Aldo Rebelo acha que não há diferença entre os governos Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso, incluídos os governadores dos dois períodos. Ambos, Lula e FHC, tentaram, mas fracassaram na execução da tarefa constitucional de garantir segurança ao cidadão.

Talvez por compartilharem da inibição de aplicar em sua totalidade o conceito de segurança nacional - contaminado pelas deformações do regime autoritário - na guerra contra o crime organizado, Aldo Rebelo acha que os dois tiveram dificuldade de perceber a realidade: os direitos humanos dos brasileiros estão sendo cotidianamente agredidos, as instituições aos poucos solapadas pela ação da bandidagem que estende suas ramificações à economia, à política e às polícias. A continuar assim, os territórios independentes do crime aos quais o Estado não tem acesso tendem a se ampliar. Até que ponto? "Ao limite da inversão de poder."

Se o próximo presidente - seja ele Lula reeleito, Geraldo Alckmin ou quem for - não assumir consciente do sentido de urgência do problema, o presidente da Câmara teme que a escalada se torne incontrolável e a situação, irreversível. "Sem perceber, o Brasil pode estar construindo um futuro país de reféns da criminalidade."

Hoje, aponta, já há uma situação de flagrante vantagem para o crime. "Enquanto o Estado tem limitações legais, as polícias são obrigadas as circunscrever suas ações dentro dos respectivos Estados e os diversos setores de segurança trabalham desconectados uns dos outros, o narcotráfico age sem restrições, não tem fronteiras estaduais e age em sistema de integração absoluta, pois precisa atender a um mercado nacional, quando não internacional."

Aldo alerta para a necessidade de uma providência urgente por parte dos governantes, antes que comece a ganhar mais força na opinião pública aquele pensamento de combate ao crime ao arrepio da observância dos preceitos democráticos.

"O perigo é esse. Quando os democratas se abstêm de assumir o papel exigido pela sociedade, os autoritários ocupam o espaço e ganham adesão popular", diz Aldo Rebelo, que exibe em favor de sua argumentação o resultado do referendo sobre a proibição da compra de armas.

"Os defensores do desarmamento adotaram um discurso romântico descolado da realidade. O lado contrário concentrou seus argumentos na segurança e venceu porque a sociedade reconheceu nesse grupo a preocupação com a necessidade de defesa, real e inquestionável."

Na opinião do presidente da Câmara, a Presidência da República é que deve induzir um processo de mudanças na legislação e de ações de âmbito nacional legitimadas pelos anseios da população sem ter, no entanto, receio de contrariar dogmas e assumir as conseqüências imediatas de um confronto duro em nome de um resultado favorável à coletividade.

Ainda que ao preço de uma dose de sangue.