Título: Lula teme que demissão de Palocci aproxime a crise de seu gabinete
Autor: Vera Rosa
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/03/2006, Nacional, p. A4

Presidente avalia que oposição fará de tudo para atingi-lo e que ministro é o último escudo que lhe resta

Pela primeira vez desde o início da crise política, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva admitiu que a situação do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, está ficando insustentável. Lula disse a Palocci que não quer afastá-lo do governo, mas ouviu um abalado ministro ponderar que não agüenta mais o tiroteio, principalmente por causa da exposição de sua família.

"Isso me machuca muito", argumentou Palocci na conversa com o presidente, há três dias, quando pediu para sair, conforme informou o Estado. "Querem acabar com o meu governo", constatou Lula. O alvo de partidos como o PSDB e o PFL, no seu diagnóstico, não é Palocci. É ele próprio. "O problema não é com você nem com o PT. É comigo", resumiu.

O presidente avalia que a oposição só pensa em destruí-lo e na campanha não medirá esforços para impedir sua reeleição. Palocci é o último escudo que lhe resta após a queda de petistas estrelados, como o ex-chefe da Casa Civil, José Dirceu, abatido pelo escândalo do mensalão.

Convencido de que a crise se aproximará cada vez mais do seu gabinete se Palocci cair, Lula ainda fazia na sexta-feira uma última tentativa de mantê-lo na equipe, mas tudo parecia caminhar em outra direção. A situação se agravou por causa do imenso desgaste provocado com a quebra ilegal do sigilo bancário de Francenildo dos Santos Costa, o caseiro que serviu de testemunha contra o homem forte do governo.

Lula está cada vez mais irritado com as trapalhadas cometidas depois que foi aberta a sindicância interna na Caixa Econômica Federal, banco onde Nildo tem conta-poupança.

BRONCAS

Na quinta e na sexta-feiras, o presidente distribuiu broncas. Foi duro nas cobranças. Disse que era preciso entregar logo a cabeça do culpado para dar uma resposta à sociedade. Está particularmente aborrecido com a imagem de que seu governo persegue um caseiro.

Em conversas reservadas, o presidente da Caixa, Jorge Mattoso, afirmou que não assumiria a culpa do que não fez. "Posso garantir que do Planalto não saiu nenhuma orientação para que se quebrasse a regra do Estado de Direito", insistiu o ministro das Relações Institucionais, Jaques Wagner. A Caixa é subordinada à Fazenda.

No Planalto não há dúvida de que, se a queda de Palocci for consumada, tucanos e pefelistas partirão para o ataque frontal à família do presidente, a começar por seu filho, Fábio Luiz, que tem negócios com a Telemar. A CPI dos Bingos também ameaça bombardear o presidente do Sebrae, Paulo Okamotto, em acareação com o economista Paulo de Tarso Venceslau. Okamotto é amigo de Lula há quase três décadas. Venceslau foi expulso do PT e o presidente o considera um traidor.

"Eu entendo que o presidente e seu governo estão cada vez mais encalacrados", disse o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM). "Palocci vai passar para a história como um dos melhores ministros da Fazenda, mas, lamentavelmente, é um médico que encarna Dr. Jekyll e Mr. Hyde", emendou o senador, numa referência ao clássico de terror que mostra a dualidade da espécie humana.

"O PSDB não permitiu a criação de diversas CPIs quando era governo e, portanto, não tem moral para nos atacar", rebateu o presidente do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP).

Palocci continua negando ter estado na mansão do Lago Sul, local onde, segundo o caseiro, lobistas da chamada república de Ribeirão Preto faziam negócios e exibiam dinheiro vivo. Seus amigos acreditam que até mesmo essa acusação poderia ser derrubada se não tivesse havido a violação do sigilo bancário do caseiro.

OXIGÊNIO

Em público, Palocci não admite a possibilidade de sair do governo para concorrer a deputado, junto com a leva dos que deixarão a equipe até a próxima sexta-feira. "Sou político, mas não estou interessado em candidatura neste ano", afirmou o ministro, durante almoço no Conselho de Administração da Câmara Americana de Comércio para o Brasil (Amcham).

A questão, no entanto, não é de estar ou não "interessado". É de sobrevivência política. Nos bastidores do governo, Palocci é visto como um paciente em coma, alimentado por tubos de oxigênio do Planalto. Auxiliares de Lula não têm dúvida de que, na planície e sem foro privilegiado, ele pode ter a prisão decretada, pois promotores de Ribeirão o acusam de superfaturar contratos de lixo quando era prefeito da cidade.

"Você já imaginou uma imagem dessas na campanha?", perguntou um colaborador do presidente. Detalhe: o publicitário que hoje faz consultoria para o Planalto - e deve ser o marqueteiro da reeleição - é João Santana, indicado por Palocci depois que Duda Mendonça caiu em desgraça.