Título: Prisão modificou 'Slobo', mas não sua versão
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Fonte: O Estado de São Paulo, 12/03/2006, Internacional, p. A18

O longo julgamento tornou Milosevic menos bombástico. No entanto, ele insistiu na inocência dos sérvios até o fim

PETAR KUJUNDZIC/REUTERS - 25/1/1991

Quatro anos atrás das grade s inevitavelmente mudaram Slobodan Milosevic. Seu cabelo branco recuou, a barriga cresceu, o inglês melhorou. Desde sua chegada algemado à prisão da ONU em Haia, em 28 de junho de 2001, Slobo também ficou menos bombástico, talvez como resultado da medicação para hipertensão ou a pura monotonia de um longo julgamento.

No início do julgamento, o ex-presidente sérvio Milosevic se entregava a demoradas arengas em que denunciava seu indiciamento e "a farsa" de seu julgamento. Naqueles primeiros tempos, ele se sentava no banco dos réus cercado de mapas cheios de marcações que consultava com freqüência.

Dia após dia ele se aferrava tenazmente à própria versão do que aconteceu durante seus 13 anos no poder, que levaram a três guerras e causaram a morte de mais de 250 mil pessoas. Dizia que os sérvios não foram responsáveis pelas guerras na Croácia, Bósnia e Kosovo: foram obrigados a se defender de agressões.

Ao contrário das acusações, Milosevic dizia que não havia nenhum plano para criar um país maior para os sérvios e nenhuma atrocidade havia sido cometida. Pessoas haviam morrido, mas lutando, ou bombardeadas pelas forças da Otan. Esse ponto de vista da história esteve muito em evidêcia nos meses em que Milosevic chamava suas testemunhas para defender não só ele, segundo dizia, mas também a causa nacional sérvia. A acusação baseou seu caso nos depoimentos de 114 testemunhas que respaldaram extensamente as acusações de crimes de guerra, crimes contra a humanidade e genocídio.

O julgamento começou em fevereiro de 2002 e em junho do ano passado já havia estabelecido um recorde de longevidade na Justiça internacional, e não será concluído.

Milosevic, que atuou como seu advogado, apresentou muitas testemunhas, entre elas antigos assessores, velhos amigos do Partido Comunista, historiadores e um especialista forense, além de um coronel do Exército francês e vários políticos russos de alto escalão.

Os juízes achavam que ele estava tentando protelar o julgamento convocando mais e mais testemunhas e freqüentemente tiveram que instruir Milosevic a não perder tempo com evidências repetitivas e irrelevantes. Eles temiam que levaria meses até Milosevic abordar a guerra na Bósnia, uma parte crucial do caso, e tentaram aumentar as audiências de três para quatro por semana. Isso provocou objeções de Milosevic. Ele alegou que sua doença cardíaca crônica não lhe permitiria esse esforço extra.

O enfoque do julgamento naquele momento estava sendo na guerra de 1999 na província sérvia de Kosovo.

A situação do acusado ficou mais tensa quando, num depoimento de rotina em 1º de junho o general Stevanovic, ex-vice-ministro do Interior e testemunha da defesa, admitiu que a polícia sérvia havia operado na Bósnia e na Croácia, mas apenas em tarefas comuns, como "controle de tráfego e prevenção de crimes". O promotor principal Geoffrey Nice mostrou um vídeo com a execução de seis muçulmanos por uma unidade policial paramilitar sérvia, conhecida como Os Escorpiões, como parte do massacre de Srebrenica em 1995.,e perguntou ao general se ele reconhecia alguém na unidade, conhecida como os Escorpiões. O general negou que eles fizessem parte da polícia sérvia, mas os promotores reafirmaram essa relação. Depois dessa exibição, os seis homens que aparecem nelaforam detidos.

Para muitos comentaristas, as execuções exibidas no vídeo foram "a arma fumegante" que provava a ligação de Milosevic com os crimes, mas nem assim essa ligação pôde ser juridicamente estabelecida.

Naquele dia, porém, Milosevic voltou abatido para sua cela na prisão e não quis falar com ninguém.