Título: O PT e o discurso da mudança
Autor: Pedro S. Malan
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/03/2006, Espaço Aberto, p. A2

"O PT tem dois objetivos agora: reconquistar a coordenação política do governo para o ministro José Dirceu e alterar a política econômica, que muitos no partido interpretam como responsável por derrotas nas urnas em outubro." A informação é da competente Teresa Cruvinel, sempre muito bem informada sobre assuntos da seara petista. Foi feita em 23 de novembro de 2004.

Passaram-se 15 meses da informação da jornalista a seus leitores. Faltam apenas seis meses para as eleições de outubro. O que dizer dos dois objetivos ou anseios tão claramente explicitados, à luz dos recentes documentos reservados da direção nacional do PT exigindo mudanças na condução da política econômica já em 2006, considerado como "o primeiro ano do segundo mandato"?

Sabe-se hoje que o PT não conseguiu atingir o seu objetivo de reconquistar a coordenação política para José Dirceu. Ao contrário, surgiram evidências de um processo desastroso, que decapitou a cúpula dirigente do PT, levou a três CPIs e a uma lastimável crise moral no partido "que não rouba e não deixa roubar". Sabe-se, hoje, que o PT tem um fundamental e prioritário objetivo político: reeleger o presidente Lula, há tempos, e cada vez mais, em campanha e que vem conseguindo dissociar a sua imagem pessoal da imagem negativa de seu partido, ao qual hoje atribui a exclusiva responsabilidade de procurar explicar-se à opinião pública. Ou limpando a imagem do partido dos sérios danos que a si próprio infligiu ou, talvez, apostando na memória curta e no esquecimento coletivos. Afinal, 2005 - o ano que o PT preferiria relegar ao olvido - estará mais de nove meses atrás em outubro deste ano. Quem sabe, até lá, a opinião pública não se lembre de mais nada ou esteja com outras preocupações em mente.

Portanto, no plano político, parece clara a estratégia do PT: passar uma borracha em seu passado recente, reeleger Lula e seguir em frente. Se "recordar é viver", como na velha marchinha dos carnavais de outrora, por que não apostar que "sobreviver é esquecer"? Afinal, o eleitor decidirá, em outubro, em função tanto do que prefere recordar quanto do que pretende esquecer, à luz do que ouvirá dos candidatos sobre os próximos quatro anos.

É neste sentido que vale a pena explorar as implicações do outro grande objetivo do PT: alterar a política econômica - agora do seu próprio governo.

A indigência do debate sobre política econômica no âmbito da militância partidária petista nunca foi surpresa para quem quer que ali procurasse por sinais de vida intelectual fecunda. Não cabe relembrar as barbaridades que o País teve a ocasião de observar, como plebiscitos para suspensão de pagamentos das dívidas externa e interna ou como a rejeição, seguida de propostas de radical modificação da Lei de Responsabilidade Fiscal, tida pelo PT, à época, como incompatível com a responsabilidade social, e por aí afora.

Estas, pelo menos, eram propostas equivocadas, mas que podiam ser debatidas, como o foram. Mas que dizer da nota da Executiva do PT sobre o caso Waldomiro Diniz e sua saída do cargo de subchefe da Casa Civil da Presidência da República, divulgada em 5 de março de 2004 e que trazia a seguinte pérola: "Vamos trabalhar com afinco para que o governo do PT implemente as medidas necessárias para que 2004 marque o início de um novo e sustentado ciclo de desenvolvimento econômico e social do país, através de mudanças na política econômica necessárias à implantação e consolidação de todos nossos programas sociais, econômicos, administrativos e de desenvolvimento"? Quão mais fácil era ser apenas oposição a "tudo o que aí estava"!

Ou ao que aí está, como sugere o documento reservado do PT que vem sendo discutido há meses e teve redação final de um graduado membro do partido e assessor especial de total confiança do presidente Lula, e será submetido no próximo fim de semana à análise e votação pelo Diretório Nacional do partido.

Deixemos de lado as generalidades vazias de conteúdo do tipo do longo exemplo acima ou de coisas como "mudar de conjunto (sic) a realidade social aflitiva do país", ou "fazer do social o carro-chefe do governo", ou a velha e vaga demanda por "um novo projeto social de desenvolvimento". Quando se especifica algo, o que temos é a surrada proposta de "redução mais acentuada das taxas de juros e a diminuição das metas oficiais de superávit primário".

Ambas generalidades sem conteúdo, e propostas aparentemente específicas como as acima têm como óbvio propósito assegurar maior espaço para a expansão do gasto público, ainda visto por legiões no Brasil como o verdadeiro motor do processo de desenvolvimento econômico e social.

Não li a íntegra dos documentos e, portanto, posso estar cometendo injustiças, pelas quais não terei pejo em pedir desculpas um dia. Mas, à luz do que "vazou" até agora, nada indica que algumas das áreas em que está havendo uma saudável convergência na opinião pública mais informada constem dos documentos mencionados. Muito pelo contrário.

Como vimos, o presidente Lula procurou dissociar-se inteiramente do PT no que diz respeito às lambanças do partido que vieram à tona em 2005. Ao que tudo indica, o presidente também vai ter de continuar se dissociando do PT na área econômica. Para o bem do País, que em pleno século 21 não pode mais incorrer naquilo que Hobsbawm chamou de os grandes pecados capitais da História: o provincianismo e o anacronismo. Ambos caracterizam o discurso econômico de boa parte do velho PT. Mas, como bem sabem muitos dos petistas mais lúcidos - que, felizmente, existem -, a importante agenda do "mudar para crescer" é muito mais complexa do que sonha a vã ideologia - e seu fácil discurso de palanque.