Título: "A ligação pessoal se dá através do Okamotto. É o Fiat Elba de Lula"
Autor: Expedito Filho
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/03/2006, Nacional, p. A8

Para Jefferson, se chefe do Sebrae tiver seu sigilo quebrado, "a coisa pode ficar muito ruim para o presidente"

MENSALÃO: "Deputados são cassados por pegar R$ 50 mil e ministros que pegaram R$ 500 mil continuam aí"GROTÕES: "Esse mensalinho do pobre, cesta básica, renda mínima, isso

acerta muito o eleitor do grotão"VISÃO: "O lulismo é fenômeno muito parecido com o malufismo ou com o ademarismo. Do tipo rouba, mas faz"O ex-deputado Roberto Jefferson está de volta. Com o mesmo vozeirão e a verve teatral com que relatou o esquema do mensalão, ele avalia agora que as CPIs podem finalmente chegar a um elo entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o esquema de caixa 2 do PT. Para o ex-deputado, o presidente do Sebrae, Paulo Okamotto, serve de prova contra seu amigo Lula da mesma forma que o Fiat Elba comprado pelo ex-tesoureiro PC Farias mostrou a participação do então presidente Fernando Collor no esquema de corrupção.

"Collor caiu por causa de um Fiat Elba. A ligação pessoal, de pagar as contas do presidente, da filha do presidente, se dá através do Okamotto. Ele é o Fiat Elba, é o elo perdido", diz. "Se quebrar o sigilo dele, a coisa pode ficar muito ruim para o presidente Lula."

Jefferson ressalva que em nenhum dos encontros com o presidente ouviu qualquer coisa que o desabonasse. Mas avalia que Lula só não sofreu processo de impeachment porque a oposição e a imprensa resolveram deixar para lá, já que a economia ia bem. "Eles acreditavam que Lula sangraria e chegaria anêmico na eleição. Mas Lula se fortaleceu." A seguir, os principais trechos de sua entrevista ao Estado:

O sr. acha que o discurso de que o PT eticamente é igual aos outros partidos levará Lula à reeleição?

As pesquisas têm mostrado isso. O lulismo é um fenômeno paulista muito parecido com o malufismo, ou com o ademarismo. É daquele tipo rouba, mas faz. Na base, o povão está muito assistido. Esse mensalinho do pobre, cesta básica, renda mínima, essa política de compensação do pobre, que o Fundo Monetário Internacional dita aos países endividados, acerta muito o eleitor do grotão.

Como assim?

O fenômeno é o seguinte: o PT deixou de ser partido da opinião pública para ser o partido dos grotões, por causa do assistencialismo. A opinião pública não está mais com o PT. Houve um abalo sísmico no conceito do PT. A elite nacional, a classe média se afastaram. A própria Igreja Católica se afastou. O PT crucificou um monte de gente na inquisição ética e acabou fazendo muito pior.

Esse "mensalinho" será decisivo na próxima eleição?

Sim. O mensalinho mata a fome, será decisivo. O povo está muito empobrecido e tudo que se faz por ele tem repercussão. O povo dos grotões não tem essa visão do desemprego, do crescimento. Ele vive a seca e isso o governo está suprindo.

O PTB vai apoiar Lula?

No meu entendimento, o PTB não deveria apoiar ninguém, para evitar racha. Mesmo que a verticalização acabe, não vamos apoiar nenhum candidato à Presidência. Nem do PSDB nem do PT. Nossa base nordestina, que representa o eleitor mais necessitado, está com Lula. A base de Centro-Oeste, Sul e Sudeste não. Para evitar o racha, vamos evitar apoiar um candidato no primeiro turno.

Um pouco antes da entrevista, o sr. estava comparando Paulo Okamotto a doadores de sangue...

Eu disse que era uma espécie de doador universal, tipo O, doa para todo mundo. Doa para o Vicentinho, para a filha do Lula, é um doador universal.

O sr. acha que ele teve um papel-chave no esquema do mensalão?

Não, é um tapa-buraco. Igual à operação tapa-buraco das estradas. Nada sério. Tapa-buraco de 20 contos, 30 contos, coisinha que ficou assim um rabicho de fora. Esse Okamotto é o Fiat Elba do Lula. Collor caiu por causa de um Fiat Elba. A ligação pessoal com o presidente, de pagar as contas do presidente, da filha do presidente, se dá através do Okamotto. Ele é o Fiat Elba, é o elo. Se quebrar o sigilo dele, a coisa pode ficar muito ruim para o presidente Lula. Por isso ele está sendo tão protegido assim.

O que pode aparecer com a quebra de sigilo de Okamotto?

O que é verdade, que ele recebeu dinheiro não de sua conta, que não pagou da conta pessoal, mas da conta que ele atravessou. Ele está mentindo e vai ter de se buscar o autor do pagamento das contas. Ele é o Fiat Elba, o elo perdido.

O filho do presidente, Lulinha, com negócios com a Telemar, não seria também um ponto vulnerável?

A nível moral ficou muito ruim para Lula. Eles bateram no filho de Fernando Henrique Cardoso, o Paulo Henrique, por causa do vínculo com o pai. Imagina se fosse o Paulo Henrique que recebesse essa grana preta da Telemar? O escândalo que o PT teria feito. Imagina se no governo Collor aparecessem ministros recebendo dinheiro para pagar contas num esquema como esse. Estava linchado em praça pública.

Por que isso não ocorre agora?

Nem a imprensa tem o apetite de empurrar isso. Parou. A imprensa não fez muita força. Deixa. Está dando certo a economia. Teve um pensamento nacional de que o segundo impeachment poderia ser muito traumático. A coisa foi deixada assim até Lula chegar à eleição. O PSDB embarcou nessa, achando que Lula chegaria anêmico na eleição de tanto sangrar. Pelo contrário. O Lula se fortaleceu e hoje as pesquisas indicam que o PSDB perde para Lula. Vai ser difícil o candidato do PSDB ganhar.

Em quem o senhor vai votar?

Se for Lula ou José Serra, nenhum dos dois. Anulo meu voto. Não voto no Lula nem voto no Serra. O Serra é a continuação do Fernando Henrique. E o Lula é a continuação do José Dirceu, do Delúbio Soares (ex-tesoureiro do PT) e do Marcos Valério. Essa polarização agora em março é falsa.

As denúncias contra o ministro do Turismo, Walfrido Mares Guia, abalaram sua influência no PTB?

Não. Mares Guia é um homem de bem. Ele fez isso para ajudar um amigo. Diferentemente de outros ministros, ele deu dinheiro para pagar as contas do Eduardo Azeredo através do Valério. Mas tem ministros que pegaram dinheiro do Valério para pagar suas contas.

Quem?

O Ciro Gomes não pegou R$ 500 mil do Valério para pagar conta? O engraçado é que a imprensa não tocou nisso, a CPI não mexeu nisso. O chefe do gabinete Gilberto... pegou R$ 250 mil. Os deputados serão cassados por pegar R$ 50 mil, enquanto ministros que pegaram R$ 500 mil continuam aí.

E a lista de Furnas (do suposto esquema de doações para candidatos em 2002)? O ex-diretor de Furnas Dimas Toledo era homem forte do PSDB, mas acabou ficando no governo do PT com seu apoio.

Fiz um acerto com o ex-ministro Dirceu de dividir entre PT e PTB o rendimento que Dimas pudesse operacionalizar em Furnas. Quem insistiu para tirar Dimas foi Lula. No projeto Luz para Todos, Furnas repassou R$ 1 milhão para a Cemig, que colocou o nome do governo de Minas de maneira muito destacada e o governo federal numa tripinha embaixo, que ninguém via a não ser com lupa. Lula achou desleal.

O sr. acredita na lista de Furnas?

Ela tem lógica política e se assemelha à verdade, mas se é verdadeira não sei. A gente sabe que o santo praticava aquele milagre, a gente sabe, por ouvir dizer, que muitas pessoas da lista receberam financiamento dele na campanha. A lista tem tudo para ser verdadeira, mas não sei dizer se é.

Que balanço o sr. faz das investigações sobre o mensalão?

As investigações estão indo bem, mas na medida do que é possível investigar. Ficou claro um jogo de financiamento que o PT montou para se financiar e operar partidos aliados.

O número de cassados é baixo...

Esse Congresso não tem ninguém que tenha vencido a eleição sem caixa 2. Se estivéssemos num regime parlamentarista esse Congresso teria sido dissolvido e eleições gerais seriam convocadas. Se os presidentes dos partidos fazem caixa 2, é claro que todo mundo embaixo tem caixa 2. O que está acontecendo é um espancamento público do companheiro que foi descoberto.

O sr. acredita que o presidente Lula não sabia de nada?

Eu não podia nem posso acusar Lula. Nunca tratei com ele de nenhum assunto que não fosse institucional. Nunca tratei do financiamento do PTB. Mas acho que Lula sabia. É uma avaliação minha. Penso que não é possível que homens de confiança do presidente pratiquem um caixa concentrado, para fazer distribuição mensal entre partidos aliados e o presidente não saiba. Mas é o que eu acho. Não é uma coisa que possa provar ou acusar.

Até onde aconteceu o caixa 2 e até onde houve o mensalão?

O caixa 2 sempre houve. FHC não vai bater no peito e dizer que não teve porque teve. Itamar Franco não vai dizer que não teve porque teve. Collor teve. Todo mundo teve caixa 2. Financiamento eleitoral sempre foi caixa 2. O mensalão é diferente, é o pagamento mensal pelo compromisso de votar em plenário. É o aluguel da bancada em troca de votos. Eu sabia que os partidos no Brasil recebiam ministérios, cargos nas estatais e organizavam caixa do partido. Mas mensalão foi a primeira vez que eu vi.

O esquema do mensalão era irrigado via estatais?

Sim. Os partidos nomeiam os diretores e estabelecem relações com as empresas que trabalham para estatais e em toda operação comercial se tira uma parte para os partidos. Sempre foi assim e continua sendo. Só que neste governo só o PT arrecadava. Quando era o PSDB, o PFL arrecadava, o PTB arrecadava, todo mundo. Não dependia de votação. Mas se fosse desleal saía do governo. Era uma coisa subentendida, não era tão clara.

O sr. se arrepende de ter feito essas denúncias?

Não. Se não faço isso, teria de aceitar o acordo proposto pelo governo. O governo nomearia um delegado com fama de ferrabrás para o inquérito e no final eu sairia, mas de rabo entre as pernas e cabeça baixa, como um vagabundo que se livrou de um processo por pressão política. Essa coisa me foi proposta e eu disse não. Eu entrei pela porta da frente e vou sair pela porta da frente. O que eu fiz todo mundo faz.