Título: Documento prova pressão de general sobre DAC
Autor: Gabriel Manzano Filho
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/03/2006, Nacional, p. A10

Avião da TAM foi reaberto para que comandante do Exército embarcasse

Dois diferentes documentos, um livro de ocorrências da Infraero e um "termo de inquirição de testemunha", do Departamento de Aviação Civil (DAC), ambos produzidos no aeroporto internacional de Viracopos, em Campinas, confirmam - como publicou o Estado na sexta-feira - que um suboficial do DAC recebeu uma "determinação" do comandante do Exército, general Fernando Albuquerque, para interromper a decolagem de um avião da TAM para Brasília, na tarde da Quarta-feira de Cinzas, e, também, que foi iniciada uma sindicância no DAC para investigar responsabilidades no episódio.

As duas informações vinham sendo negadas por fontes oficiais. O general Albuquerque - desde que o jornalista Elio Gaspari revelou o caso - vem sustentando em seguidas entrevistas que não abusou de sua autoridade. Teria feito apenas uma queixa no DAC, mas nenhuma pressão. E o DAC, por seu lado, alegou na sexta-feira que não havia nenhuma sindicância em andamento. "Não há nada disso acontecendo", garantiu por telefone sua assessoria, no Rio de Janeiro.

O texto da Infraero sobre o episódio deixa claro que a pressão existiu, embora o documento não seja uma peça acusatória. Tecnicamente, é um registro de rotina - neste caso, com o título de "procedimento irregular". É feito cada vez que termina o plantão de um fiscal no aeroporto e incluído em um livro de ocorrências. Pode, eventualmente, ser requisitado - como ocorreu naquele episódio - por uma autoridade para ajudar a orientar uma investigação.

Na ocorrência sobre a decolagem interrompida se afirma que "após o suboficial Agostini ter recebido determinação do general Albuquerque que deveria estar a bordo (...) o mesmo ligou para a TWR/KP (a torre) a fim de impedir a saída da aeronave".

QUEM MANDOU

O outro documento (íntegra ao lado) é um "termo de inquirição de testemunha" realizada - ao contrário do que alegou a assessoria do DAC - para apurar como procederam o funcionário que estava naquele momento na torre de controle e o comandante do vôo da TAM. O depoente, controlador de vôo Daniel Rodrigues Bezerra, foi chamado "à presença deste sindicante" - um escrivão, não identificado no pé do documento - e deu sua versão do que ocorreu antes da decolagem. Em resumo, Bezerra exime-se da responsabilidade final de parar o vôo.

Primeiro, o DAC "solicitou para não liberar (sic) o TAM 3874 para saída". Depois, ele passou "via fonia" a solicitação do DAC à aeronave, "que pediu para repetir a informação e em seguida voltou à posição de estacionamento". E o próprio termo do DAC destaca: "Perguntado se entendeu a solicitação do DAC como uma ordem, (Bezerra) respondeu que simplesmente repassou a solicitação" do DAC ao comandante do vôo. E que "pelo seu entendimento a decisão de retorno ficou ao encargo do referido comandante". Este, certamente, terá seu depoimento levado em conta na investigação do DAC.

O foco da inquirição demonstra o cuidado com que a Aeronáutica procura estabelecer limites precisos da autoridade, em cada etapa, cada vez que um avião levanta vôo - um detalhamento que os riscos de seqüestros tornaram indispensável.

Na rotina dos aeroportos, a torre de controle é que tem, habitualmente, autoridade sobre todos os movimentos dos aviões nas pistas - qualquer outra fórmula criaria um caos nas decolagens e aterrissagens. "A torre não fica dizendo que o piloto pode escolher entre as pistas 17 ou 19. Ela manda o aparelho para uma das pistas e o avião vai", diz um especialista. Não é impossível que em casos excepcionais torre e piloto decidam juntos o que fazer. Até agora, o sigilo com que a apuração do caso tem sido tratada por DAC, Infraero e TAM impede que se saiba como cada envolvido reagiu à pressão do general.