Título: Pesquisadores dizem que números são irreais
Autor: Roldão Arruda
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/03/2006, Nacional, p. A14
MST contesta afirmação do governo de que metas da reforma agrária foram superadas
Os números sobre reforma agrária do Ministério do Desenvolvimento Agrário não correspondem à realidade, de acordo com estudos divulgados na semana passada por pesquisadores universitários ligados ao MST. Eles contestam as afirmações feitas pelo ministro Miguel Rossetto, segundo o qual o governo superou as metas do Plano Nacional da Reforma Agrária em 2005 e alcançou "o melhor desempenho em toda a história".
Num desses estudos, intitulado A Não Reforma Agrária do Governo Lula, o pesquisador Ariovaldo Umbelino de Oliveira, do Departamento de Geografia da USP, afirma que o ministério incluiu nas estatísticas um conjunto de 947 famílias assentadas desde 1942 no município de Barra do Corda, no Maranhão. Segundo o pesquisador, essas famílias podem ter tido títulos de propriedade reconhecidos, mas não se deveria jamais juntá-las em estatísticas dos assentamentos do atual governo.
Oliveira também arrola na lista de equívocos do ministério um conjunto de quase 7 mil famílias de projetos agroextrativistas na região de Santarém, no Pará: "Qualquer pessoa que já esteve nesta área sabe que aquelas famílias estão lá há muito anos."
O geógrafo Bernardo Mançano Fernandes, professor do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Unesp, também acusou o governo de clonar assentamentos já existentes. No texto denominado Da Clonagem à Autofagia: O Dilema da Reforma Agrária no Brasil, acusa o governo Lula de repetir práticas que o PT condenava no governo de Fernando Henrique.
De acordo com um terceiro estudo divulgado na semana passada e produzido pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), uma organização não-governamental, embora o PT sempre tenha apresentado a reforma agrária como questão central na agenda política, acabou dando a ela "um lugar absolutamente residual e periférico" no atual governo. O texto também insiste que, do conjunto de 245 mil famílias que teriam sido assentadas no atual governo, parte considerável não está em novos projetos.
O Inesc ainda apresenta questões de execução orçamentária para demonstrar o descaso do governo: "O orçamento da reforma agrária para 2005 foi de R$ 3,3 bilhões, dos quais foram executados R$ 2,8 bilhões (86,4%) até 21 de janeiro de 2006. Foram deixados de executar R$ 454,5 milhões. Caso esses recursos pudessem ser remanejados e utilizados nos projetos de assentamento, que custam em média R$ 20 mil por família, poderiam beneficiar 23 mil famílias."
Ainda segundo o Inesc, os outros programas voltados para a zona rural, como Brasil Quilombola e Paz no Campo, tiveram desempenho ainda pior: "Em ambos os programas foram executados menos de 45% dos recursos autorizados."
Os três estudos ganharam destaque na semana passada, quando se realizava em Porto Alegre a 2.ª Conferência Internacional sobre Reforma Agrária, promovida pela Organização das Nações Unidades para a Agricultura e a Alimentação, a FAO - de acordo com a sigla inglesa. Patrocinado pelo governo brasileiro, que aproveitou a ocasião para divulgar o que vem fazendo na área da reforma agrária, o evento acabou soterrado pela bem orquestrada série de ações do MST e da Via Campesina.