Título: Ano vermelho faz MST superar média histórica de invasões no País
Autor: Roldão Arruda
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/03/2006, Nacional, p. A14

Em 69 dias aconteceram 57 invasões, índice maior que o de 2004, até agora o recorde na gestão Lula

Entre o dia 1º de janeiro e a última sexta-feira, dia 10, foram registradas 57 invasões de propriedades rurais no País, de acordo com levantamento realizado pelo Estado. Nesse período de 69 dias também ocorreram bloqueios de rodovias, ocupações de agências bancárias e de sedes regionais do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e até o ataque a um laboratório de pesquisas no Rio Grande do Sul. É o maior volume de ações na história recente dos movimentos rurais. Já supera o de 2004, ano do chamado abril vermelho e recordista em invasões nos três anos do governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

Naquele ano foram 56 invasões em 90 dias, entre janeiro e março, segundo a Ouvidoria Agrária Nacional. Em 2002, ano da eleição de Lula, quando o Movimento dos Sem-Terra (MST), a maior e mais influente das quase 70 organizações que erguem a bandeira da reforma agrária, freou a militância, com receio de causar problemas ao PT, foram registradas 10 invasões em três meses.

Além de um maior volume de ações, verificou-se nestes dias a intensificação dos ataques do MST ao agronegócio, especialmente às empresas multinacionais que atuam no setor; e o afinamento de suas ações com os movimentos e organizações não-governamentais do exterior. Pode-se perceber isso na mais barulhenta e bem planejada das ações dos sem-terra, que foi a depredação do laboratório da Aracruz e a destruição de mudas de eucalipto que vinham sendo produzidas ali.

A operação foi executada em conjunto pelo MST e a Via Campesina, organização que, segundo um de seus coordenadores internacionais, o hondurenho Rafael Alegria, está presente em 90 países. O alvo foi a empresa líder mundial na produção de celulose de eucalipto, respondendo por 30% da oferta global do produto, com ações negociadas nas bolsas de São Paulo, Madri e Nova York, e desfrutando de respeito no meio empresarial pela forma como explora de maneira sustentada os recursos naturais e investe na produção científica.

Segundo Alegria, no entanto, a Aracruz figura na lista das "empresas transnacionais que pretendem controlar os recursos naturais do mundo, em associação com o capital financeiro internacional" e por isso serão cada vez mais atacadas.

E o que isso tem a ver com a reforma agrária? O que se percebe, nas declarações de Alegria e de líderes do MST, é que a redistribuição de terras tende a ficar num segundo plano, ultrapassada pelo debate sobre a política econômica dos países, a organização do comércio internacional, as culturas nacionais, o combate ao agronegócio. Contando com o apoio de Hugo Chávez, da Venezuela, e embalados pela ascensão de políticos de centro-esquerda, como o boliviano Evo Morales, a Via e o MST mostram-se mais propensos a discutir projetos políticos de esquerda do que a reforma.

Em 2001, a Via e o MST já tinham destruído plantações de milho transgênico da Monsanto, no Rio Grande do Sul. O ato foi liderado pelo ativista francês José Bové, que participava do Fórum Social Mundial e chegou a ser ameaçado de expulsão pela Polícia Federal. Ocorreram manifestações em defesa de Bové e o inquérito para investigar o caso não foi adiante. Mas na França, onde comandou ação semelhante, em 1997, destruindo plantações experimentais do grupo Aventis, o militante internacional enfrentou uma situação diferente: foi condenado pela Justiça a quatro meses de prisão.

A destruição do laboratório aprofundou o fosso entre a opinião pública e o MST. Segundo pesquisa realizada em 142 centros urbanos pelo Ibope, a pedido da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), a opinião pública é simpática à idéia da reforma agrária, mas reprova os meios usados pelos sem-terra para pressionar o governo. Para 76% dos entrevistados, os métodos do MST comprometem a democracia.