Título: Quem inventou a bomba atômica também era grande pesquisador
Autor: Arruda, Roldão
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/03/2006, Nacional, p. A15

pesquisador'João Pedro Stédile, coordenador do MST, defende ação na Aracruz e diz que sem-terra querem novo modelo

Ameaçado mais uma vez de enfrentar um processo na Justiça, desta vez por ter apoiado as mulheres da Via Campesina que destruíram um laboratório e um viveiro de mudas no Rio Grande do Sul, o principal líder do Movimento dos Sem-Terra (MST), João Pedro Stédile, insiste na tese de que aquela foi uma ação justa. Em entrevista do Estado, disse que a proprietária do laboratório e do viveiro, a empresa Aracruz, simboliza o agronegócio ¿ que é hoje o grande alvo do MST e da Via Campesina. Para ele, o choro da estudiosa que perdeu pesquisas de quase 20 anos foi uma manipulação da TV. Stédile afirmou ainda que, ao contrário dos anos 80, quando o movimento surgiu, suas bandeiras já não envolvem apenas a reforma agrária: quer a substituição do atual modelo político e econômico do País. A seguir, trechos da entrevista.

A NOVA OFENSIVA DO MST

Se os problemas sociais não se resolvem, há uma reação, uma necessidade de aumentar a pressão. O Plano Nacional de Reforma Agrária prometia assentar 400 mil famílias em 4 anos. Até agora foram assentadas ao redor de 150 mil. Tínhamos a promessa de que seria dada prioridade ao assentamento das famílias acampadas. Ainda temos ao redor de 140 mil famílias acampadas. É isso que está acontecendo. Os acampados vão continuar se mobilizando.

O ATAQUE AO AGRONEGÓCIO

Na década de 70 e 80, quando ressurgiram os movimentos, havia de fato a idéia de que bastaria a distribuição de terras, dentro do modelo das reformas agrárias clássicas. Com a crise do modelo de industrialização e a introdução do neoliberalismo, a agricultura passou a ser disputada pelo capital internacional e por grandes grupos econômicos. Hoje existem ao redor de dez grandes empresas, monopólios que controlam as sementes, os agrotóxicos, o comércio agrícola, as agroindústrias, em todo o mundo. Portanto, a disputa agora é entre dois grandes modelos para organizar a agricultura. De um lado o modelo das multinacionais, que subordina e se alia aos fazendeiros exportadores e gera o agronegócio, usando alta tecnologia que desemprega e gera êxodo rural; e de outro o modelo da agricultura familiar e camponesa, que busca a produção de alimentos em primeiro lugar, a fixação do homem no campo e a distribuição de renda.

CAMPOS OPOSTOS

O MST é apenas um ator dessa disputa. De um lado estamos nós, movimentos sociais, sindicatos, ambientalistas, o povo. De outro lado, os fazendeiros do agronegócio, as multinacionais, o capital internacional e seus puxa-sacos na imprensa.

NOVO MODELO POLÍTICO

A reforma agrária está vinculada a um projeto de sociedade. Necessariamente. A proposta de reforma agrária do MST pressupõe um novo projeto político para o País. O atual modelo prioriza o lucro, as taxas de juros. Veja que 30% de todos os recursos públicos hoje são destinados aos bancos por meio do pagamento de juros. Precisamos um projeto que democratize a sociedade, com novos mecanismos de participação popular. A reforma agrária não se viabiliza no modelo neoliberal.

DEPREDAÇÃO NA ARACRUZ

A Aracruz é o símbolo do modelo do agronegócio neoliberal. É uma associação de empresas norueguesas, de capital estrangeiro, com setores da burguesia brasileira e, o pior ainda, com financiamento do BNDES e do Banco do Brasil. Suas florestas homogêneas de eucalipto, para a produção de celulose, são um crime ambiental, porque destroem toda a biodiversidade. É por isso que as sociedades do hemisfério norte, de onde são originárias, não aceitam mais fábricas de celulose e florestas homogêneas.

O CHORO DA PESQUISADORA

Foi uma clara manipulação que, infelizmente, nossas televisões estão acostumadas a fazer. Esse tipo de problema não se resolve com emoção, resolve-se com debate e propostas. Não vi a TV Globo expor com a mesma ênfase o que aconteceu em janeiro deste ano, quando, com a proteção da Polícia Federal, a Aracruz colocou seus tratores para destruir a aldeia indígena dos guaranis, no Espírito Santo. As mulheres gaúchas disseram na imprensa que parte do protesto era em solidariedade ao povo guarani.

DESTRUIÇÃO DAS PESQUISAS

Não somos contra a pesquisa. Queremos pesquisar cada vez mais. Mas pesquisar soluções para os problemas do povo, e não apenas aumentar a produtividade para aumentar o lucro das múltis. Os que inventaram a bomba atômica também eram grandes pesquisadores.

A VIOLÊNCIA

A questão fundamental não é ficar analisando se determinadas ações foram violentas ou não, ou justificá-las. O principal é entendermos que ela é conseqüência do processo de imposição de um modelo que usa o dinheiro como poder absoluto. O debate que devemos fazer é em torno de como os recursos naturais devem ser usados em benefício de toda a sociedade e não apenas de algumas transnacionais. Quem defende a Aracruz está usando a depredação do laboratório como forma de fugir do debate principal.

VOTO EM LULA

Tenho ouvido o presidente dizer que ainda não se decidiu. Pessoalmente espero que se candidate à reeleição e se comprometa a mudar a política econômica.

ANO ELEITORAL

O MST e os movimentos sociais não organizam suas lutas em função do calendário eleitoral. Em geral os anos de eleição nos atrapalham porque se caracterizam como um período de transição. Os movimentos devem ter autonomia perante os partidos, se quiserem ser perenes e fortes. O nosso papel é organizar os pobres do campo, para que tenham consciência e resolvam seu problemas.