Título: Da invasão à destruição
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/03/2006, Nacional, p. A6

Autorizado a transgredir, o MST evoluiu sem freios do socialismo ao banditismo

No dia 6 de julho de 2003, seis meses depois de assumir a Presidência da República, Luiz Inácio da Silva recebeu em seu gabinete a cúpula do MST com honras de Estado.

Pôs na cabeça o boné do movimento e escreveu ali o roteiro do qual hoje se vê a continuidade prevista: sem freios, autorizados a agredir a lei e atribular a ordem natural da punição como conseqüência da infração, os sem-terra foram subindo de escala em suas ações até chegarem ao patamar do mais puro e límpido banditismo.

Das invasões passaram aos saques, aos bloqueios de estradas, à ocupação de prédios, interrupção de pedágios, tomadas de reféns e, sob o beneplácito das autoridades constituídas, chegaram agora a práticas tão criminosas quanto obscurantistas.

O movimento nada mais tem de reivindicatório, de ideológico, nem mesmo guarda qualquer relação com a reforma agrária. Restaram a seus integrantes operações de destruição. Na semana passada atingiram um laboratório de pesquisas da Aracruz, no Rio Grande do Sul, mas na semana que vem podem alcançar as dependências de qualquer empresa ou instituição sob quaisquer pretextos.

Na definição de um dos líderes do movimento, Jaime Amorim, a depredação do laboratório da Aracruz, com a anulação de um trabalho de anos de pesquisas, teve o objetivo de "defender a saúde do povo e defender a soberania nacional". Bem como a ocupação de um prédio do Incra e a queima de veículos de propriedade pública, na concepção do mesmo autor, atendeu à meta de "fortalecer a infra-estrutura do órgão".

Ou seja, já não se pode nem mesmo medir os atos do MST pelos critérios mais comezinhos da lógica aplicada às relações de causa e efeito do cotidiano dos seres humanos comuns, o que torna seus alvos presentes e futuros, concretos ou presumidos, reféns das exacerbações mentais de sua tropa.

Na terça-feira, a motivação para o vandalismo contra a Aracruz foi a comemoração do Dia Internacional da Mulher. Em maio, quem sabe o que farão as valentes "companheiras mulheres" para celebrar o Dia das Mães?

Se a idéia é fazer uma agenda de barbáries obedecendo às datas marcantes, antes disso temos a Semana Santa para ser devidamente brutalizada e depois a Copa do Mundo, o Dia da Independência e, claro, o dia da eleição em outubro, efeméride máxima da democracia burguesa.

Caso o MST resolva explodir seções eleitorais ou algo parecido a propósito de proteger a população da eleição de políticos corruptos poderemos dizer mesmo o quê, se ficamos todos apenas docemente estupefatos diante da destruição de um laboratório de pesquisas para "proteger a saúde do povo"?

Nada, será normal mais uma vez aceitar. Com certo repúdio, é verdade, mas de forma muito comedida e comportada, como convém aos corretos ante a ação dos desvalidos, ainda que seus atos imponham uma derrota atrás da outra à sociedade organizada.

E vem mais por aí. O movimento já anunciou: 2006 "será vermelho".

Pelo visto, resta-nos aguardar sentados a execução da ameaça, tenha ela a conseqüência que tiver, pois para o governo federal não existem vândalos de alta periculosidade à solta, mas integrantes de um movimento social em pleno exercício de sua liberdade de manifestação.

Há três anos, quando saiu do gabinete presidencial João Pedro Stédile comemorava o resultado da reunião com Lula. "Foi ótima, vai dar 5 a 0 contra o latifúndio no segundo semestre", dizia, sem ter ouvido resquício de reprimenda por parte do presidente da República a respeito das invasões que ocorriam na ocasião.

Stédile estava certo, sua vitória configura-se de goleada desde aquele dia em que a figura presidencial foi usada como avalista da ilegalidade sem a menor preocupação com a preservação da essência do cargo para o qual fora eleito: governar para todos os brasileiros, respeitando seus direitos de forma igualitária sob o império da Constituição.

Inclusive porque, no que tange ao MST, o governo federal só se ocupa de conter as ações do movimento quando é para negociar uma "trégua" a fim de a radicalização do movimento não atrapalhar os candidatos do PT.

No tocante à obrigatoriedade de preservar a Constituição no capítulo das garantias e direitos individuais, não se vê a menor aflição. Ao contrário, desde o início do governo a opção ficou bem clara: entre a lei e o MST, dane-se a lei.

Ficou assim estabelecido quando, bem antes do episódio do boné, houve a decisão governamental de ignorar a medida provisória que retirava invasores e terras invadidas do programa de reforma agrária, sob a alegação de que essa MP representava o "autoritarismo de Estado" a ser revogado pelo PT.

E, de fato, revogou-se um princípio. Não o do autoritarismo, mas o da autoridade sem possibilidade de recuperação. Os stédiles e amorins continuarão dando as cartas, fazendo do país gato e sapato até que assuma o comando alguém capaz de consertar o estrago feito pelo governo do PT ao preceito básico do respeito à lei. Sob os mais variados aspectos, num horizonte bem mais amplo que o das transgressões do MST.