Título: Liberação é insuficiente, dizem grupos de direitos humanos
Autor: Marcelo de Moraes e Vannildo Mendes
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/04/2006, Nacional, p. A10

A revelação de documentos dos arquivos secretos da ditadura, que estavam nas mãos da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), anima os integrantes dos movimentos de direitos humanos. Eles afirmam, no entanto, que ainda permanecem sob o controle de integrantes das Forças Armadas os documentos mais importantes, aqueles que podem ajudar na localização dos corpos de pessoas desaparecidas durante a ditadura.

Na avaliação dos movimentos de direitos humanos, os documentos que hoje estão sob a guarda do Arquivo Nacional já teriam passado por um processo de depuração, durante o qual foram eliminados os papéis considerados comprometedores. Para o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP), a situação está muito longe do ideal.

"A decisão do governo de abrir os arquivos da Abin é positiva no sentido da tentativa de obter o conhecimento da verdade histórica de um período repressivo da ditadura militar", pondera o deputado. Mas logo ressalva: "Entretanto, minha opinião é que, nesses arquivos que estão sendo abertos, muitos informes já foram peneirados, retirando fotos, informações e nomes de responsáveis, de tal forma a não comprometê-los. Mas isso vem acontecendo num processo sistemático desde 1982. Por isso tenho que elogiar a iniciativa de abrir esses arquivos, mas também tenho que ficar com o pé atrás."

GUERRILHA

O deputado acredita que nem todos os documentos foram destruídos: "Tenho certeza de que há documentos minuciosos ainda no interior das Forças Armadas, especialmente sobre a guerrilha do Araguaia", afirma. "Eles podem ajudar a encontrarmos os corpos das pessoas que desapareceram lá."

Para Jair Kirschke, fundador e dirigente da ONG Movimento de Justiça e Direitos Humanos, os arquivos que o governo está liberando não são os mais importantes. "Isso é perfumaria", diz. "Os documentos mais importantes, que implicam militares com torturas e assassinatos e os que permitiriam a localização de mortos e desaparecidos, não foram entregues."

Kirschke não acredita que os registros mais comprometedores tenham sido destruídos. "Foram microfilmados e continuam escondidos nos porões militares", diz o ativista. Para ele, o governo Lula foi decepcionante, porque não teria atuado com firmeza para liberar os documentos.

"As ONGs e militantes de direitos humanos perderam a esperança no governo Lula", afirma Kirschke. "Estamos muito atrasados em relação à abertura dos arquivos na Argentina, Chile, Uruguai e até no Paraguai. Estamos no último ano do governo e Lula sequer recebeu os familiares de desaparecidos."

Na avaliação de Greenhalgh, algumas medidas do governo poderiam ajudar na recuperação de arquivos e informações ainda em poder de setores militares. "Poderia ser dada, por exemplo, autorização pública oficial pelos militares no sentido de permitir que pessoas que tenham documentos ou arquivos particulares pudessem entregá-los no Arquivo Nacional sem medo de serem punidas."

O deputado acredita que existem pessoas que não entregam os arquivos pessoais por medo. "Eles temem sanções disciplinares", afirma.