Título: Meta de astronauta é visibilidade
Autor: Herton Escobar
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/03/2006, Vida&, p. A26

Segundo Gaudenzi, viagem de Pontes ao espaço servirá para divulgar a importância do programa espacial

O Brasil não terá nenhum ganho tecnológico com a viagem do primeiro astronauta brasileiro ao espaço. Ainda assim, o presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB), Sergio Gaudenzi, considera o investimento de US$ 10 milhões (ou R$ 21,6 milhões) crucial para o desenvolvimento do Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE). O objetivo principal, segundo ele, é divulgá-lo para a sociedade. "Se o povo entender o programa, é claro que isso se reflete no Congresso Nacional e desperta nossos parlamentares, o que facilita a manutenção dele", disse Gaudenzi, em entrevista exclusiva ao Estado.

Faltando 18 dias para o lançamento, a missão vem sendo questionada por alguns segmentos da comunidade científica, que chegaram a classificar a viagem como mero "turismo espacial". Vários cientistas acreditam que os US$ 10 milhões pagos à Agência Espacial Russa seriam melhor empregados em programas de desenvolvimento tecnológico no Brasil. E que os oito experimentos a serem levados pelo astronauta à Estação Espacial Internacional (ISS) não compensam, nem de longe, o custo da missão.

Gaudenzi, por outro lado, diz que o investimento é estratégico para o futuro do programa espacial e garante que não faltará dinheiro para outros projetos por causa disso. "O programa não abdicou de nada, nem na área de satélites, nem de lançadores, nem da base de Alcântara", disse. Somados os custos dos últimos oito anos, desde que o Ten. Cel. Av. Marcos Pontes começou a ser treinado pela Nasa, o gasto com o astronauta pode passar de US$ 40 milhões.

Pontes deve ser lançado ao espaço no dia 30, dentro de uma nave russa Soyuz, da base de Baikonur, no Casaquistão. Apertados com ele dentro da cápsula estarão o russo Pavel Vinogradov e o americano Jeffrey Williams, que substituirão a atual tripulação da estação espacial. Pontes ficará oito dias na ISS. Na bagagem, estarão oito experimentos científicos brasileiros, que ele deverá executar durante a estada no espaço. A viagem foi batizada de Missão Centenário, em homenagem aos cem anos do primeiro vôo de Santos Dumont.

Originalmente, Pontes deveria viajar (gratuitamente) em um ônibus espacial da Nasa, como parte da participação brasileira na construção da ISS. Mas os planos tiveram de ser revistos após a redução da contribuição brasileira e os acidentes com os ônibus espaciais, que paralisaram os vôos por mais de dois anos.

O que o Brasil ganha, de fato, ao colocar um astronauta no espaço?

Em primeiro lugar, a gente ganha uma enorme visibilidade para o programa espacial. E por que interessa essa visibilidade? É importante que o povo entenda o que é o programa espacial, quais são os benefícios desse programa, quem participa desse tipo de coisa. Estamos num clube de países de ponta do desenvolvimento, como EUA, Rússia, França, Alemanha, China, Índia, Japão. Se a gente consegue participar disso e colocar um astronauta no espaço, ter essa visibilidade ajuda o povo a entender o programa e a necessidade dele. Se o povo entender o programa, é claro que isso reflete no Congresso Nacional, e isso desperta nossos parlamentares, o que facilita a manutenção dele. A idéia é essa, dar visibilidade ao programa.

Ainda assim, US$ 10 milhões não é um preço muito alto? Não seria possível fazer a mesma divulgação por meio de campanhas?

Não, isso seria bem mais caro. O que a gente tem obtido em termos de mídia nos últimos três meses e, certamente, o que vamos conseguir durante e após o vôo - com o Pontes divulgando sua experiência nas escolas, nas universidades e reuniões científicas - seguramente seria dificílimo de fazer com esse mesmo recurso. Seguramente a Petrobrás gasta muito mais do que isso com o patrocínio da Williams (equipe de Fórmula 1). Estamos colocando nossa marca num programa que é a ponta da ponta na área de ciência e tecnologia. O orçamento do programa espacial brasileiro já ultrapassou os US$ 100 milhões e estamos caminhando para uma meta de US$ 200 milhões. Portanto, estamos gastando menos de 10% do orçamento para fazer uma divulgação do programa que vai durar o ano inteiro.

E quanto aos experimentos científicos, qual a importância deles?

Temos pela primeira vez a oportunidade de fazer testes por oito dias com experimentos em microgravidade. Até agora o máximo que a gente conseguia era de sete a oito minutos, com os foguetes de sondagem. Isso é também um avanço, e mostra que o programa está a serviço da comunidade científica. Houve contestações, inclusive, sobre os dois experimentos de meninos de colégio que, a meu ver, são talvez os mais importantes. Porque é uma maneira de fazer com que esses meninos se interessem pela ciência e tecnologia, e não vamos desenvolver o País se não tivermos ciência e tecnologia.

Mas, com esses US$ 10 milhões, não daria para financiar muito mais pesquisas aqui na Terra, com relevância científica muito maior?

Isso é muito discutível. Em matéria de experimentos, você pode fazer 200 deles e nenhum vingar, como pode fazer um que vinga e acaba pagando tudo com enorme diferença. Nunca se sabe; é uma coisa muito aleatória. Agora, se você olhar tudo que o programa espacial já gastou nessa missão, tínhamos duas possibilidades: ou perdíamos tudo que jogamos no programa do astronauta e encerrávamos a missão, ou colocávamos mais esse aporte e realizávamos a missão. Isso pesou também. Poderíamos perder tudo que fizemos em oito anos? A idéia foi colocar mais esse recurso e fazer o vôo. Muita gente discorda e eu respeito essas opiniões. Daqui a alguns anos poderemos ter uma idéia melhor se isso tudo foi bem aproveitado ou não.

Dá para calcular quanto a AEB investiu no astronauta nos últimos oito anos, desde que o Pontes começou seu treinamento na Nasa?

Isso está seguramente bem acima dos US$ 10 milhões; talvez 4 vezes acima (US$ 40 milhões).

Esse dinheiro não vai fazer falta para outros projetos do programa espacial, como desenvolvimento de satélites de monitoramento?

Não. A dimensão disso foi muito bem feita dentro do orçamento. O CBERS (Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres) consome entre R$ 80 milhões e R$ 100 milhões por ano, e ainda temos de fazer o CBERS 2B, o 3 e o 4. Na parte de lançadores, já começamos a trabalhar com os russos no Alfa, que é um upgrade do VLS (Veículo Lançador de Satélites brasileiro) com terceiro estágio de combustível líquido, que vai nos dar a oportunidade de trabalhar com essa tecnologia. Com relação a Alcântara, devemos lançar no início de abril a licitação para ampliar a infra-estrutura da base. Então, estamos cuidando dos três segmentos (satélites, lançadores e base) e eles têm de andar passo a passo; não adianta correr com um se não tivermos o outro. O vôo do astronauta, na verdade, serve de estímulo para um ponto muito importante, que é o de recursos humanos. Esse pode ser o nó do programa espacial. Precisamos estimular vocações nessa área, precisamos de gente.

O Brasil ainda terá direito a um vôo no ônibus espacial, como previa o acordo inicial com a Nasa para a estação espacial?

Acho que uma vez que o Pontes chegar à ISS, a Nasa vai considerar que o vôo já foi feito. Podemos até rever o acordo, mas será sempre uma iniciativa da Nasa. A ISS tem três grandes parceiros: EUA, Rússia e União Européia. Nós somos um parceiro muito pequeno.

Mesmo com o atraso dos vôos, não seria um melhor negócio ter paciência e aguardar um vôo no ônibus espacial?

O problema é que chega um momento em que ele (Pontes) não consegue mais fazer o vôo. Gastamos esse tempo todo treinando ele, e a demora vai fazendo com que a pessoa perca um pouco as condições de vôo. A fila pelo lado americano é enorme. Então era preciso voar agora ou teríamos de começar tudo de novo, com um novo astronauta. O que não quer dizer que não tenhamos outro no futuro. Estamos esperando um pouco, porque há uma certa contestação com relação à ISS. A Europa acha que o custo-benefício da estação talvez não seja bom, que o gasto é grande demais. Como somos parceiros muito minoritários, estamos aguardando. Se a estação tiver seqüência, vamos abrir, inclusive, a possibilidade de novo concurso para mais astronautas.

Houve alguma influência política na definição da data de lançamento, por questões eleitorais?

Não houve nada disso, porque se fosse por questões eleitorais, a data melhor para nós seria setembro (risos). Quem definiu isso mesmo foi a agência espacial russa. Eles são muito rigorosos em tudo. A hora do lançamento, para você ter idéia, me foi passada em hora, minuto e segundo. Eu fiz apenas um apelo para que, se possível, o vôo fosse no ano do centenário, porque, para nós e os russos, quem inventou o avião foi Santos Dumont, embora alguns achem que foram os irmãos Wright. Nisso eles estão conosco, e gostaríamos de comemorar esse centenário.