Título: Por medo de vir a ter câncer, mulheres retiram os seios
Autor: Adriana Dias Lopes
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/03/2006, Vida&, p. A24

Após conviver com mães, irmãs e tias doentes, gente com predisposição à doença opta pela mastectomia profilática

Quando o assunto é câncer de mama, Solange, Débora e Neusa falam sem parar. E falam de suas próprias famílias. Elas relatam com detalhes experiências dolorosas, usam termos médicos com intimidade, precisam as datas e enumeram as vezes em que viram mãe, irmãs ou tias sofrerem a lenta agonia trazida pela doença.

Além de histórias tristes para contar, essas mulheres têm mais em comum. No momento em que ouviram pela primeira vez do médico que eram fortes candidatas a ter câncer um dia, decidiram tirar uma, duas mamas ou ainda os ovários sadios antes de desenvolverem a doença.

Chamada de mastectomia profilática, a retirada da mama é uma das formas de prevenção desse tipo de câncer, que acomete 49 mil mulheres a cada ano no Brasil. Radical, polêmico e violento, o método tem sido cada vez mais aceito nos consultórios médicos nos últimos anos.

"A mulher que opta por isso é aquela que não pode nem ouvir a palavra câncer porque viu o sofrimento de perto de outra pessoa", conta Silvio Eduardo Bromberg, mastologista do Hospital Albert Einstein, que nos último ano teve dez pacientes que tomaram a mesma decisão radical.

Mais um diagnóstico do perfil desse tipo de paciente: "Essa mulher já é, por temperamento, muito prática e decidida. Ela tem uma faca perto da garganta e não consegue conviver com isso", diz Mário Mourão Neto, chefe da mastologia do Hospital do Câncer, centro que fez 120 mastectomias profiláticas nos dois últimos anos.

A terapeuta Débora Tambelini, de 38 anos, submeteu-se em março de 2004 à mastectomia profilática nas duas mamas. Débora não conheceu a avó materna, que morreu de câncer de mama. Aos 9 anos, assistiu à mãe morrer pelo mesmo motivo. "Vi minha mãe careca. Ela vomitava toda hora, tinha dores horríveis. Não entendia o que estava acontecendo", lembra ela. "Sempre soube que não iria querer jamais passar por aquilo."

Cinco anos depois, a tia caçula sofreu o mesmo calvário. Mais tarde, a irmã, que tinha acabado de ter bebê, recebeu o diagnóstico. "Ela sobreviveu, mas não amamentou. E vi todo o tratamento sofrido", diz. Em 1999, outra irmã com câncer.

Débora fazia mamografia e ultra-som todo ano, desde os 25 anos. Mas, em 2003, ouviu pela primeira vez de um médico sobre a existência de um exame que identifica mutações genéticas ligadas ao câncer de mama (veja ao lado). Com o resultado positivo, descobriu fazer parte do grupo que tem 80% de chance de ter a doença ao longo da vida.

"O médico me apresentou todas as possibilidades, incluindo a mastectomia profilática, que me deixaria com pouca chance de ter câncer (cerca de 10%). Meu medo era como eu ia sair do hospital. Mas meus seios hoje com silicone são mais bonitos do que antes", diz. "Fui para casa, falei com meu marido e a decisão estava tomada. Queria ver meu filho de 4 anos crescer. Hoje me sinto uma privilegiada." Durante a operação, descobriu um tumor em uma das mamas, que não havia sido detectado nos exames.

A executiva Solange Ferreira, de 44 anos, também sempre foi cuidadosa. Desde os 32 anos, fazia mamografia anualmente e auto-exame de três em três meses. Solange havia perdido três tias para o câncer. "Não as acompanhei de perto. Elas se isolaram quando souberam", diz. "Mas o contato que tive com a doença foi brutal." Uma das tias recebeu a visita da sobrinha. "Soube que ela estava com câncer pouco antes de ir vê-la no hospital. Na minha visita, minutos antes de morrer e dopada com morfina, ela teve forças para me dizer que só queria que sua dor terminasse. Eu tinha 22 anos."

Dezenove anos mais tarde, Solange detectou uma bolinha num dos seios no auto-exame. O médico diagnosticou como infecção nas glândulas, já que a ressonância magnética não havia dado nada. Mesmo assim, ela insistiu em tirar o nódulo.

Era dezembro e dessa vez o médico disse para deixar passarem as festas de fim de ano. Dois meses depois, a bolinha dobrou de tamanho. O nódulo da mama direita, retirado na cirurgia, era maligno e ela teria que fazer mastectomia no prazo máximo de uma semana. "Minha outra mama estava intacta, mas sabia que tinha riscos de ter câncer nela também (nesse caso, as chances na outra mama crescem 1% a cada ano). Não pensei duas vezes em optar pela retirada da segunda. Sem exageros, o resultado da mastectomia profilática ficou imperceptível. Coloquei gordura abdominal. Minha pele e meu mamilo foram preservados", diz.

Em 2003, Solange recebeu diagnóstico positivo do exame que identifica mutações genéticas da doença. Decidiu tirar os ovários profilaticamente - o risco de quem tem esse tipo de teste positivo desenvolver câncer nos ovários é de 40%. "Honestamente, estou tranqüila. O câncer não é mais um fantasma na minha vida."

A aposentada Neusa Peres Rodrigues, de 55 anos, talvez tenha tomado a decisão mais extremada de todas. Ela optou por mastectomia profilática sem ter tido casos de câncer de mama na família. "Meu pai teve câncer na língua. Foram dez longos anos. Levava ele no médico, ficava perto na quimioterapia. E tanto sofrimento por nada, meu Deus", lembra.

"Há oito anos faço exames preventivos de câncer de mama e sei que tenho calcificação (um dos indícios de predisposição). Em março do ano passado, tirei as duas mamas. O resultado não ficou legal. Mas não importa", conta. "Não tenho medo da morte. Mas do sofrimento. Deus foi muito bom pra mim, me dando essa oportunidade."