Título: Risco de colapso nos portos
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Fonte: O Estado de São Paulo, 12/03/2006, Notas e Informações, p. A3

A síntese da bisonhice do governo Lula poderia ser a lapidar frase do diretor do Departamento de Programas de Transportes Aquaviários do Ministério dos Transportes, Paulo de Tarso Carneiro, explicando à reportagem do Estado por que o programa de recuperação dos portos foi um fiasco: "Nós acreditávamos que as ações poderiam ser implementadas de imediato, mas estávamos iludidos." Para se eleger, o candidato petista afirmava que o que faltava para a dinamização da vida econômica, social e política do Brasil era a "vontade política". Logo a administração petista descobriu que a "vontade política", sozinha, não move esferas nem engrenagens.

O caso dos portos é exemplar. Um ano e meio após a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi lançada a Agenda dos Portos, um conjunto de 64 projetos a serem realizados em caráter de urgência nos 11 principais portos do País. Diante do grande aumento das exportações, tratava-se de evitar que a ineficiência dos portos causasse um estrangulamento do setor mais dinâmico da economia. O governo deu ao programa caráter de urgência, mas o problema era velho e estava devidamente diagnosticado. O mínimo que se poderia esperar era que, entre a instalação do novo governo e o lançamento da Agenda, tivessem sido elaborados os projetos indispensáveis à realização das obras, ditas emergenciais.

Três anos depois, o funcionário do Ministério dos Transportes revela, com a maior candura, que as duas grandes causas do atraso da Agenda dos Portos foram a falta de projetos e as complicadas negociações com os órgãos de defesa ambiental. Trocando em miúdos, a administração petista, no mínimo, imaginou que poderia comprometer vultosos recursos em obras que não tinham projetos detalhados e também não se preparou para atender à legislação ambiental, como se obras portuárias não afetassem o ecossistema.

Deu o que tinha de dar. Um ano e meio após o lançamento da Agenda dos Portos, das 64 ações previstas apenas 18 foram concluídas, uma dezena não saiu do terreno das boas intenções e o resto segue em marcha lenta.

Nem medidas elementares, como dragagem dos portos, foram integralmente cumpridas nesses 18 meses. Os portos brasileiros, em geral, são rasos, com profundidades que variam entre 10 e 15 metros, em média. Isso, por um lado, impede a atracação de cargueiros de grande tonelagem e, de outro, exige a constante dragagem para a retirada de lodo e detritos que se acumulam. Dos seis portos que deveriam ser dragados, como previa a Agenda dos Portos, apenas em Vitória e Paranaguá as obras foram completadas. E isso deveu-se, em parte, à incapacidade do governo de providenciar a tempo as necessárias licenças ambientais. A imprevidência está tendo conseqüências desastrosas para a economia nacional - mas também produz verdadeiras jóias para o anedotário, como o caso do desassoreamento do Porto de Santos. Como a remoção do material depositado no leito do porto poluiria as águas com resíduos tóxicos, as autoridades ambientais exigiram o monitoramento contínuo do processo: 560 ostras vindas de Santa Catarina seriam periodicamente examinadas para a medição da contaminação. Mas os órgãos de proteção ambiental de Santa Catarina não permitiram o uso das ostras. E, com isso, a dragagem do porto atrasou seis meses.

Muito mais atrasadas - e não por razões tão pitorescas - estão as indispensáveis obras de acesso aos principais portos. Só recentemente foi assinado o contrato para a construção da perimetral do Porto de Santos. Disputas sobre a utilização de linhas férreas, por mais de uma transportadora, aumentaram a ineficiência das bases de exportação.

Além de querer implementar programas "emergenciais" sem projetos e licenças ambientais, o governo parece também achar que a "vontade política" substitui dinheiro. Em 2003, destinou escassos R$ 64 milhões para investimentos em portos. No ano passado, decuplicou a dotação orçamentária, mas dos R$ 670 milhões só gastou 33,4%. Nesse ritmo, os portos brasileiros só não entrarão em colapso total se o ritmo das exportações e importações diminuir.