Título: 'Bolívia também tem muito a perder'
Autor: Eduardo Kattah
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/04/2006, Economia & Negócios, p. B7

O presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli, disse ontem que a Bolívia também tem muito a perder com eventuais decisões que afetem os negócios da empresa no setor de gás e refino naquele país. A advertência foi feita diante da determinação do governo boliviano de regulamentar a nacionalização das reservas de petróleo e gás nas mãos de multinacionais, inclusive a Petrobrás.

Conforme noticiou o Estado, a Bolívia vai transferir à estatal Yacimientos Petrolíferos Fiscales (YPFB) o controle sobre os campos de petróleo e gás e um novo contrato que reserva às atuais concessionárias o mero papel de operadoras de poços está em gestação no Ministério dos Hidrocarbonetos, e será apresentado ainda este mês.

"Se para o Brasil o mercado de gás é importante como fornecedor do produto, para a Bolívia, o Brasil também é muito importante como comprador do produto boliviano, como pagador de imposto na Bolívia, como gerador de emprego na Bolívia, como viabilizador da expansão de outros negócios", enfatizou Gabrielli, durante entrevista, ao participar da programação que antecede a 47ª Reunião Anual da Assembléia de Governadores do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em Belo Horizonte.

Questionado sobre qual o prejuízo para a Bolívia sem a presença dos investimentos da estatal brasileira, ele foi taxativo: "(Ela teria a perder) Dois terços da exportação dela, e teria a perder um terço, no mínimo, da receita tributária".

Gabrielli reiterou que os planos de expansão da Petrobrás em território boliviano estão em compasso de espera. A estatal brasileira é produtora, distribuidora, refinadora e transportadora de gás naquele país e investiu US$ 1,5 bilhão desde 1996. As operações da empresa no ano passado na Bolívia geraram faturamento de US$ 600 milhões, segundo o presidente. "Evidente que nós temos várias possibilidades de investimentos em relação à Bolívia", observou. "É claro que esses investimentos nesse momento estão esperando a definição do quadro regulatório."

Apesar de evitar falar em retaliação "unilateral" da Petrobrás, Gabrielli disse que a estatal "tomará medidas adequadas para proteger os interesses dos acionistas".

DIPLOMACIA

Sempre chamando a atenção para os "dois lados da questão", Gabrielli insistiu na defesa de "uma solução negociada" para a crise. "Temos vários objetivos e interesses comuns. Tanto nós precisamos da Bolívia como a Bolívia precisa de nós". Ele lembrou que o país vizinho fornece um pouco mais da metade do gás consumido no Brasil.

Apesar de observar que não falava em nome do governo brasileiro e que a negociação da estatal é com a YPFB, Gabrielli disse que esperava encontrar-se com o presidente boliviano, Evo Morales - que chegaria a Belo Horizonte no final da noite de ontem. Representantes do governo brasileiro, entre eles o secretário especial da Presidência para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, vão se reunir com Evo.

Mas Gabrielli demonstrou descrença numa solução rápida. Disse que está ciente de que se trata de um processo de negociação demorado, pois envolve análise de contratos e discussões técnicas.

O presidente da Petrobrás citou a reportagem publicada no domingo pelo Estado, mas evitou comentá-la diretamente, afirmando que não tinha informações oficiais e não poderia falar "em tese".

Gabrieli listou o que implicaria uma "solução adequada" para Brasil e Bolívia: garantia do fornecimento de longo prazo de gás ao Brasil, aumento e diversificação dos investimentos na cadeia do gás natural e retorno adequado para aquele país da exploração de seu gás natural.