Título: Sistema precisa de tecnologia brasileira
Autor: Lourival Sant'Anna
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/03/2006, Economia & Negócios, p. B8

O presidente Lula vai anunciar amanhã - ou no mais tardar até o final desta semana - o padrão de TV digital a ser adotado pelo Brasil. Esse é o primeiro passo de uma longa caminhada para se implantar uma nova tecnologia e todos os seus subprodutos. Isso significa que o País vai partir de uma estrutura tecnológica básica desenvolvida e concebida por japoneses ou europeus para, em seguida, complementá-la com softwares, ferramentas e padrões brasileiros, isto é, aqui desenvolvidos.

Não terá sentido adotar uma tecnologia inteiramente estrangeira - um padrão puro ou completo. A maior parte desse complemento nacional já foi desenvolvida por 22 consórcios brasileiros, com mais de 90 pesquisadores, representando universidades e empresas privadas, financiados com R$ 50 milhões oriundos do Fundo Nacional de Tecnologia de Telecomunicações (Funttel).

Esses consórcios reuniram especialistas de mais de 30 indústrias nacionais e internacionais, apoiando o trabalho de pesquisadores de universidades - como a Universidade de São Paulo (USP), Unicamp, Mackenzie, Federal da Paraíba, Federal de Santa Catarina, Inatel de Minas Gerais.

Conforme demonstrações feitas em testes de campo na USP e no Mackenzie, o trabalho até aqui realizado é da mais alta qualidade no desenvolvimento de partes essenciais de um sistema brasileiro de TV digital. Entre os projetos desenvolvidos, estão o terminal de acesso (set top box ou caixa de conversão), o middleware (sistema operacional que une o sistema aos seus aplicativos), o controle remoto, o transmissor e os padrões de compressão digital (como o MPEG-4 ou equivalente) e outros.

CONTINUIDADE

A preocupação dos consórcios de pesquisa hoje é a falta de apoio ou de sensibilidade de alguns setores do governo quanto à continuação dos trabalhos no desenvolvimento dessa tecnologia complementar brasileira. O risco maior será a perda dessas pesquisas com o corte ou a interrupção dos recursos de financiamento do Funttel.

Vale lembrar ainda que o Brasil não está apenas optando por um padrão de TV digital, mas negociando a agregação a essa tecnologia de um conjunto de vantagens e de oportunidades industriais, financiamentos, menor preço final ao consumidor, melhor modelo de negócio, apoio à pesquisa e aplicações socioculturais no campo da inclusão digital - como prevê o decreto que traçou as diretrizes do Sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD).

Escolhido o padrão de TV digital, começa outra etapa para o Brasil, a da implantação da tecnologia e do desenvolvimento do modelo de negócio. Para o cidadão, o grande salto será, num primeiro momento, a melhoria radical da qualidade da imagem. Em seguida, virá a revolução da interatividade na TV.

Ao longo de todo o período de debate e de escolha do padrão de TV digital, é provável que o leitor tenha ficado, acima de tudo, confuso, diante de tantas informações complicadas sobre o que irá, realmente, significar a nova tecnologia. Afinal, o que vai acontecer em nossa vida com a chegada da TV do século 21?

Nada muda de uma hora para outra. Tudo terá que ser feito a seu tempo, no ritmo certo. Não espere uma revolução do dia para noite, portanto. Transmissões experimentais serão feitas durante a Copa da Alemanha, para demonstração em shopping centers, aeroportos e outros lugares públicos. Qualquer inauguração no dia 7 de setembro só deverá ter interesse para campanha eleitoral de Lula e de Hélio Costa. Transmissões regulares de todas as redes de TV, só no final do primeiro semestre de 2007.

Vale a pena comprar já um televisor de grandes dimensões, preparado para a alta definição (HD ready)? Para a TV digital, ainda não. A não ser que você queira usá-la mais em seu home theater, com os melhores DVDs, e possa gastar mais de R$ 8 mil, num televisor de 42 polegadas, de plasma. Pense, até o final do ano, em comprar um terminal de acesso (ou caixa de conversão) para receber o sinal digital no velho ou no novo televisor.

Nos Estados Unidos ou em países europeus, que introduziram a TV digital há oito anos, a presença da nova tecnologia não ultrapassa a 60% dos domicílios, via caixas de conversão (terminal de acesso). E, para surpresa de muitos, menos de 25% desses lares dispõem de televisor de alto padrão, preparados para a recepção de imagens de maior definição.

Numa visão um pouco mais otimista, o Brasil pode ter tempo de maturação mais rápido, porque a paixão pela TV aberta é muito maior aqui do que na maioria dos países industrializados: 95% dos domicílios brasileiros contam com pelo menos um televisor. Por outro lado, apenas 5% das residências do País são assinantes da TV paga (a cabo, via satélite ou microondas etc.)

O Brasil deverá cuidar ainda de quatro pontos básicos ao implantar seu sistema de TV digital. 1) Evitar o encarecimento do preço do televisor para o consumidor. 2) Assegurar o máximo de flexibilidade nas aplicações. 3) Buscar novas oportunidades de exportação de televisores. 4) Negociar investimentos complementares, sem qualquer ilusão.