Título: TV digital finge que espera fábrica
Autor: Renato Cruz
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/03/2006, Economia & Negócios, p. B10

Relatório de ministros indica padrão japonês, mas governo tenta convencer europeus a oferecerem mais

Desde 2003, o governo anuncia seu desejo de trazer uma fábrica de semicondutores para o País. Falou com todos os grandes fabricantes do mundo, com o objetivo de trazer uma unidade com ciclo completo para cá, que produzisse desde a lâmina de silício, mas nada. As barreiras são bem conhecidas: logística deficiente, aduana lenta e que entra em greve sempre, impostos nas alturas, indústria eletroeletrônica com pouco desenvolvimento local de produtos. Agora, às vésperas de anunciar sua decisão sobre a TV digital, já tomada, o governo faz que tenta resolver a questão de política industrial na escolha da tecnologia, dando ares de técnica a uma definição política.

"O Brasil não consegue atrair uma fábrica de US$ 2 bilhões a US$ 3 bilhões, principalmente por questões logísticas e de impostos", afirmou Ivair Rodrigues, diretor de Estudos de Mercado da I.T. Data. "Hoje, somos um País de montagem, não de fabricação." Na semana passada, a americana Smart Modular Technologies inaugurou em Atibaia (SP) uma fábrica de circuitos integrados que faz o chamado encapsulamento: corta a lâmina de silício, importada, e a transforma no chip. Trata-se somente da etapa final de fabricação e o investimento ficou em US$ 15 milhões. "Mesmo assim, eles são corajosos de terem trazido a fábrica", apontou o consultor, que participou dos estudos do governo para a política industrial.

Ano passado, o Brasil importou US$ 9,519 bilhões em componentes eletroeletrônicos. Só de semicondutores foram US$ 2,868 bilhões, segundo a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee). Mesmo assim, o governo não fez até hoje nenhum esforço sério para resolver os problemas estruturais que impedem a vinda da fábrica de semicondutores para o País. Nesta semana, reúne-se com representantes da franco-italiana ST Microelectronics, que já afirmou em várias ocasiões que não planeja trazer uma fábrica ao Brasil, para ver se consegue tirar deles o mesmo que conseguiu dos japoneses: o compromisso de fazer um "estudo de viabilidade" sobre a implantação de uma fábrica no País.

Agora, se os japoneses considerassem realmente viável trazer uma fábrica ao Brasil, por que não incluiriam um compromisso firme em sua proposta, para afastar qualquer dúvida sobre o caráter técnico da decisão do governo e para fechar a porta a qualquer tipo de contestação? Tempo houve, já que as discussões sobre TV digital começaram há 12 anos e há três o governo está na batalha para fazer a fábrica se materializar. O mesmo pode ser dito dos europeus.

"A gente não entendeu a demanda com a seriedade devida", afirmou Ricardo Tortorella, gerente-geral da ST Microelectronics no Brasil, que defende o padrão europeu DVB. "Vamos sem nenhuma expectativa, mais para ouvir do que falar", afirmou Izaías da Silva Jr., diretor de Desenvolvimento de Novos Negócios da ST Microelectronics. A mesma falta de expectativa é sentida do lado dos japoneses: "O governo expressou o desejo, mas não podemos prometer", disse Murilo Pederneiras, consultor do padrão japonês ISDB no Brasil. Segundo estudo do CPqD, obtido pela revista Tela Viva, o mercado de consumo da TV digital deve chegar a R$ 14 bilhões em 15 anos.

Na sexta-feira, os ministros encaminharam ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva um relatório que favorece o ISDB, o preferido das grandes redes, como a Globo. Apesar de técnicos dos ministérios terem visto no DVB europeu uma forma de aumentar a competição no mercado, os ministros resolveram ser mais pragmáticos e, em ano eleitoral, foram seduzidos pelos argumentos das emissoras. O único que manteve uma postura consistente durante toda a discussão foi Hélio Costa, à frente da pasta das Comunicações, ex-repórter do Fantástico e fundador da sucursal da Globo em NY, que sempre defendeu o ISDB.