Título: Doha: todos ficam na defensiva
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/04/2006, Economia & Negócios, p. B9

Mesmo sem acordo sobre os principais entraves à Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC), o encontro entre Brasil, Estados Unidos e União Européia, no final de semana, deixou claro que nenhum desses protagonistas quer para si o ônus do possível fracasso das negociações. Diante do jogo intrincado, cada um manteve sua posição defensiva. Mas adotou um tom mais brando e cedeu à negociação de temas secundários - a velha tática de comer pelas bordas e deixar o miolo para o final.

O fim também ficou mais claro. Antes relutante a aceitar um calendário informal, que prevê a apresentação definitiva das propostas sobre os temas agrícolas e industriais até 30 de abril e o encerramento das negociações até o final deste ano, o comissário de Comércio da União Européia, Peter Mandelson, cedeu. Pesaram nessa mudança discreta as intervenções de Pascal Lamy, o diretor-geral da OMC e antecessor de Mandelson. O francês Lamy será o responsável por colher as propostas de 30 de abril e, com base nelas, formular um rascunho do acordo final palatável aos 149 membros da organização.

"Trabalhamos contra o relógio", assinalou Mandelson durante a entrevista à imprensa ao final do encontro, no início da noite de sábado. "Temos de pensar duramente sobre o acordo."

A tática de comer pelas bordas foi testada com êxito em dezembro passado e impediu o alarmado fracasso da Conferência Ministerial da OMC em Hong Kong. Sem sinais de avanço nos temas centrais, os negociadores concordaram com um tópico considerado secundário, mas relevante - a eliminação dos subsídios à exportação. Apesar das intempestivas argumentações contrárias de Mandelson, membros da OMC concordaram que as subvenções devem acabar em 2013, com substancial redução até 2010.

Desta vez, os negociadores dos 149 países devem avançar nesta semana, em Genebra, na discussão de outros temas secundários e não menos importantes - o tratamento para os produtos agrícolas sensíveis, as simulações sobre a redução dos subsídios domésticos, as formas camufladas de subsídios à exportação.

Na opinião do ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, os acertos para essas questões podem ter influência positiva na solução dos tópicos centrais - o corte real das tarifas agrícolas e industriais e nos subsídios à produção agropecuária, para os quais o chanceler espera um resultado "justo e equilibrado".

Com mais concessões dos países ricos que das economias em desenvolvimento e, portanto, com abertura de mercados agrícolas proporcionalmente maior que a dos industriais. Essa fórmula, argumenta Amorim, não é capricho do Brasil e de seus aliados do G-20, o grupo de economias em desenvolvimento que exige a redução dos subsídios domésticos, a abertura do mercado agrícola mundial e a eliminação das subvenções à exportação.

A rigor, seria uma correção tardia dos resultados das rodadas anteriores, que praticamente não tocaram nas questões agrícolas, e a única saída para promover o crescimento econômico dos países menos desenvolvidos. "A responsabilidade tem de ser proporcional aos meios", receitou Amorim.