Título: Juro real entra em queda acelerada
Autor: Fernando Dantas
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/02/2006, Economia & Negócios, p. B4

Projeção da Selic descontada da inflação está em 11,6%, mas no mercado financeiro taxas caem fortemente

Apesar da polêmica sobre o conservadorismo do Banco Central (BC) na redução do juro básico, a Selic, o Brasil já entrou em rota acelerada de queda do juro real. Para alguns economistas, como Ilan Goldfajn, ex-diretor de Política Monetária do Banco Central, o País pode estar no início de uma redução acelerada do juro real, eliminando uma das principais aberrações da economia brasileira.

A Selic real, isto é, a taxa básica descontada da inflação projetada para os próximos 12 meses, ainda está em 11,6%, a mais alta do mundo, e em um nível considerado elevadíssimo.

No mercado financeiro e nas transações dos bancos com as maiores empresas do País, porém, o juro real já está caindo substancialmente. Isso ocorre, por exemplo, nas aplicações e empréstimos de 360 dias, chamadas de "swap" no jargão do mercado, e nos títulos do governo de longo prazo. Sexta-feira, a taxa nominal (não descontada da inflação) do swap de 360 dias, que costuma antecipar a Selic, fechou em 14,96%, o nível mais baixo desde o lançamento do Plano Real.

Do início do ano até hoje, o juro da NTN-B, um título que vence em 2045, despencou de IPCA mais 9,05% para IPCA mais 7,40%. O juro da NTN-C, com vencimento em 2031, caiu no mesmo período de IGP-M mais 8,59% para IGP-M mais 7,78%. Em ambos os casos, a rentabilidade acima do indexador pode ser considerada como o juro real.

O juro real do swap de 360 dias, por sua vez, vem caindo gradativamente desde abril de 2005, tendo saído de 13,39% para 10,26%. Pela projeção do Dresdner Bank, o juro de um ano estará 8,34% no final de 2006, o menor nível desde o início do Plano Real. O juro real para pessoas e pequenas e média empresas, porém, ainda não caiu (ver matéria abaixo).

Para Goldfajn, o Brasil pode estar iniciando um processo já vivido por outros países emergentes. Ele explica que, quando estas economias atingem uma certa massa crítica de melhora dos fundamentos econômicos, o juro real pode despencar de forma súbita e rápida. "Eu acredito que às vezes, quando as condições estão no lugar e a inflação começa a permitir, a queda dos juros reais acaba acontecendo de forma mais rápida do que o mercado antecipa", disse ao Estado Goldfajn, sócio de Armínio Fraga, ex-presidente do BC, na Gávea, empresa de administração de recursos.

Goldfajn apresentou dados que mostram que, na Turquia, os juros reais caíram de 25% para 7% entre março de 2003 e janeiro de 2006. Na Polônia, foram de 9% para 2% entre janeiro de 2002 e janeiro de 2005. No Peru, foi ainda mais rápido - de 16% para 1,5% entre abril de 2001 e abril de 2002.

O economista Eduardo Giannetti da Fonseca, professor do Ibmec de São Paulo, diz que "o Brasil pode entrar em território novo no segundo semestre de 2006, com a melhor combinação de juro real e inflação desde o lançamento do Plano Real". O melhor momento em termos de juros reais e inflação do Real até hoje, segundo Gianetti, ocorreu em janeiro de 2001, quando, pela única vez desde 1995, houve uma expectativa de inflação 12 meses à frente abaixo de 5%, e uma Selic real abaixo de 11%. Mas ele recorda que, com a crise energética logo a seguir, "o BC elevou a Selic para conter a pressão inflacionária, houve um forte aumento do juro real, e acabou a brincadeira".

As expectativas médias do mercado para o final de 2006 indicam uma Selic real de 9,6% e inflação 12 meses à frente de 4,5% - uma combinação já melhor do que a de janeiro de 2001. Na verdade, porém, estas expectativas vêm mudando rapidamente, e em breve a projeção para o final do ano pode ficar ainda mais positiva. A projeção média de Selic nominal de 14,5% no final de 2006, por exemplo, deve cair. Respeitados departamentos econômicos de bancos, como os do Itaú e do Dresdner Bank, já prevêem a Selic entre 13% e 13,5% em novembro de 2006.

Para o economista Renato Fragelli, diretor da Escola de Pós-Gradução em Economia (EPGE), da Fundação Getúlio Vargas no Rio (FGV-Rio), "nós vamos para uma taxa de juro real entre 6% e 7%". Fragelli observa que, depois que a inflação disparou em 2002, atingindo 12,5%, o governo fixou metas muito drásticas de desinflação, que obrigaram o BC a pôr o juro real em níveis muito altos. Agora, com as expectativas de inflação já tendo convergidas para a meta, "o BC vai baixar os juros a cada reunião". O mercado prevê IPCA de 4,42% em 2006, e o centro da meta é 4,5%.

Fragelli acrescenta que o excepcional fortalecimento da balança comercial nos últimos anos está levando à forte valorização do real, o que é outra âncora antiinflacionária, permitindo que o País tenha juros reais menores. A queda do risco Brasil, por sua vez, reduz a rentabilidade dos títulos externos brasileiros. Com isso, um investidor estrangeiro que queira títulos do Brasil pode preferir comprar papéis do governo em reais no mercado interno. Com maior oferta de dinheiro, os juros destes títulos tendem a cair.

Joel Bogdanski, economista do Itaú, não acha que a forte queda do juro real nas NTNs esteja ligada a melhoras da economia. Ele lembra que o Brasil ainda tem problemas fiscais sérios, alta carga tributária, e cresce pouco. Para Bogdanski, foi a recente decisão do governo de isentar de Imposto de Renda as aplicações de estrangeiros em renda fixa no mercado interno que aumentou a oferta potencial de recursos, e fez com que as taxas caíssem fortemente.