Título: 45 milhões de pneus jogados fora por ano. E só 20% são reciclados
Autor: Cleide Silva
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/03/2006, Economia & Negócios, p. B12

Por lei, devem ser enviados por fabricantes e importadores para reutilização, mas nem todos são encontrados

O segurança João Fernandes Guides guarda, "há uns dez anos", quatro pneus em sua casa no Jaraguá, na capital paulista. "Deixo na garagem para não encostar o carro na parede." Detalhe: atualmente Guides nem tem automóvel. "Minha esposa insiste para eu jogar fora e penso em fazer isso."

É por usos e costumes como esse que o controle do destino dos pneus velhos, crucial para a proteção do meio ambiente, vai muito além de uma questão de legislação ou de boa vontade dos responsáveis. Neste ano, pelo menos 45 milhões de pneus serão descartados e substituídos por novos. Eles deveriam ser recolhidos por fabricantes e importadores e entregues para reciclagem, conforme prevê resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama). As empresas admitem que vão cumprir no máximo 20% dessa meta, pois muitos pneus não estarão disponíveis porque ficam nas mãos dos consumidores. E ninguém sabe onde vão parar.

Um suposto passivo de 100 milhões de pneus velhos, citado por entidades ambientais, não existe mais, afirmam grandes fabricantes. Elas informam que nos últimos quatro anos recolheram e destruíram essa quantidade de carcaças. A constatação das fabricantes, que devem ser multadas pelo terceiro ano seguido por não cumprirem a meta do Conama, mostra que o Brasil, apesar de ter uma das mais avançadas e rigorosas normas sobre pneus inservíveis, tem dificuldade em controlar o destino das peças retiradas de carros, motos e bicicletas.

O negócio da reciclagem cresceu no País a partir de 2002, quando a Resolução 258 do Conama entrou em vigor, mas a destinação dos pneus, produto de difícil biodegradação e foco de doenças como a dengue, ainda é um sério problema. Carcaças são estocadas de forma irregular, algumas nas casas dos consumidores.

A gerente de projetos da Secretaria de Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente, Gricia Grossi, admite que o órgão não tem dados sobre o passivo atual de pneus, mas acredita ser ainda grande. "Não concordo com ajustificativa das fabricantes em relação à dificuldade de localizar pneus." Falta, em sua opinião, campanha de esclarecimento à população, incentivo para a entrega e melhor logística de coleta.

Estudo do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) em 11 Estados conclui que metade dos pneus substituídos não tem destinação correta: 36,9% dos clientes ficam com os pneus e 17,3% têm destino desconhecido ou vão para usos diversos, como balanços infantis e amparos de garagens. Este ano, o IPT fará nova pesquisa para saber o que o consumidor faz com as peças levadas para casa.

REFORMA

Parte dos pneus volta a circular depois de um processo de reforma que pode ser a recapagem, a recauchutagem ou a remoldagem. A parcela destinada à reciclagem vira matéria-prima para outros produtos como asfalto de borracha, cada vez mais usado em rodovias.

A meta do Conama para este ano é recolher 5 para cada 4 pneus novos fabricados. Em 2004, 7 empresas, entre as quais Pirelli, Goodyear, Firestone e Michelin, foram multadas em R$ 20 milhões por não cumprirem a meta, mas estão recorrendo na Justiça. A multa de 2005 ainda não foi emitida, mas deve superar esse valor.

Além da produção nacional, que atingiu 53,4 milhões de unidades em 2005, o País recebeu 10,5 milhões de pneus usados importados, principalmente da Europa. A importação é proibida, mas empresas de reforma têm obtido liminares. Os importadores também foram multados em R$ 5,7 milhões, dos quais R$ 3,8 milhões estão sendo cobrados da BS Colway, a maior remoldadora do País.

Segundo o secretário-executivo da Associação Nacional da Indústria de Pneumáticos (Anip), Walter Tegani, a entidade criou em todo o País 175 centros de coleta, os Ecopontos, mas o volume entregue é muito abaixo da meta do Conama. "No ano passado investimos R$ 26 milhões no processo de transporte, trituração e destinação de pneus e ainda assim conseguimos recolher metade do previsto." A Anip reivindica meta próxima a 11 milhões de unidades,com base nas vendas ao mercado de reposição e no volume de pneus disponíveis para coleta. "Mudanças estão sendo estudadas, mas dificilmente serão aplicadas este ano", avisa Ruth Rodrigues Tabaczensqi, assessora técnica do Conama.

Foi a Anip que solicitou ao IPT o estudo sobre a destinação dos pneus e tem usado o resultado - indicando que só 26,5% dos produtos descartados estão disponíveis para coleta e destinação final - para pedir a redução das cotas. "A meta atual é inexeqüível", reforça o presidente da Goodyear, Chris Corcoran.

Com dados diferentes do Conama, o pesquisador do IPT Carlos Alberto Leite calcula em 22 milhões o volume de pneus descartados todo ano. Só 1% vai para os Ecopontos. "O pneu é propriedade do consumidor e não pode ser retirado."

A Porto Seguro recolheu entre novembro e fevereiro 5 mil pneus. Uma campanha dava camisetas em troca da carcaça.