Título: O censo e a reforma da Previdência
Autor: Suely Caldas
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/02/2006, Economia & Negócios, p. B2

No dia 3 de abril, cerca de 100 mil aposentados terão seu benefício suspenso por não terem atendido ao chamado do Censo Previdenciário. Mais uma maldade do governo Lula contra os idosos? Afinal, a população não esqueceu cenas cruéis e chocantes de velhinhos e velhinhas disputando lugar nas imensas filas em frente às poucas agências do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), ao relento e no frio, muitos doentes e em cadeira de rodas, só para provar que existiam, estavam vivos. Foi por esse meio, inconseqüente e estúpido, que o ex-ministro e atual presidente do PT, Ricardo Berzoini, tentou realizar o censo há dois anos. Fracassou.

É indiscutível a necessidade de recadastrar aposentados de tempos em tempos. Não só a Previdência conhece seu público, como lhe é permitido eliminar fraudes, economizar recursos e identificar quadrilhas de criminosos que enriquecem criando aposentadorias fantasmas. Só a suspensão dos 100 mil benefícios suspeitos, prevista para 3 de abril, vai resultar em economia de R$ 1,3 bilhão para os cofres do INSS. O desconhecimento do público é tal que, no universo de 2,4 milhões de aposentados desta primeira etapa do censo, 600 mil não têm data de nascimento e 500 mil não têm sexo esclarecidos em suas fichas de cadastro, informa o ministério.

Desta vez, o atual ministro, Nelson Machado, agiu certo: tirou das agências do INSS e espalhou o censo entre milhares de agências bancárias onde o aposentado já comparece mensalmente para receber seu benefício. Ao passar seu cartão magnético, a tela do computador avisa a data-limite para responder às perguntas do censo, o que ele pode fazer ali mesmo, com a ajuda de um funcionário do banco. Para isso a Previdência paga ao banco R$ 7,50 por cada questionário respondido. Ou seja, nesta primeira etapa, o INSS gastou R$ 18 milhões com o serviço bancário, mas vai economizar R$ 1,3 bilhão. Nos próximos meses, mais 14,7 milhões de aposentados serão convocados e o cadastramento deverá ser completado no segundo semestre de 2007.

Há sete meses à frente do ministério, Nelson Machado sabe que seu tempo é curto. "Os problemas da Previdência são estruturais, não são solucionados rápido. Por isso decidi concentrar toda a minha energia no censo. Este dá para começar e levar até o fim", explica.

Fora a tímida reforma da Previdência do setor público, em 2003, o governo Lula não fez mais nada para tornar a Previdência viável e financeiramente sustentável a longo prazo. Fernando Henrique Cardoso fez outra reforma meia-sola, criando o fator previdenciário, que não impediu o crescimento explosivo e alarmante do déficit do INSS.

Em recente texto sobre os limites para o aumento do gasto público, o economista Fábio Giambiagi mediu o tamanho do problema: desde 1988 o rombo previdenciário cresce a cada ano - saltou de 2,5% do produto interno bruto (PIB) para 7,6% do PIB no ano passado, quando somou R$ 38,2 bilhões. Este ano passará de R$ 44 bilhões. Para resolver seriamente a questão, o próximo presidente da República, seja quem for, precisa ter prontas propostas de duas reformas - previdenciária e trabalhista - para enviar ao Congresso nos primeiros dias de governo. A trabalhista vai tentar trazer para a formalidade metade da força de trabalho do País, hoje marginalizada de qualquer direito, que passará a contribuir para o INSS e terá aposentadoria garantida no futuro. E a previdenciária vai tentar equacionar o megadéficit, mudando regras, eliminando privilégios de quem se aposenta precocemente, aos 45/50 anos.

As duas reformas são politicamente antipáticas e enfrentarão dificuldades para aprovação no Congresso, mas são absolutamente necessárias para o País, de interesse do conjunto da população, e não apenas da parcela que irá rejeitá-las. Sem elas, o governante perde condições de governar, o dinheiro público crescentemente será desviado para cobrir o déficit previdenciário e cada vez mais escasseiam recursos para programas sociais, para a saúde, a educação, os investimentos.