Título: Na Argentina, 'tudo certo'
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Fonte: O Estado de São Paulo, 04/04/2006, Economia & Negócios, p. B3

A ministra da Economia da Argentina, Felisa Miceli, acrescentou mais lenha na fogueira do debate sobre modelos econômicos na reunião anual do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Depois dos demolidores ataques do prêmio Nobel de Economia, Joseph Stiglitz, ao receituário liberal do Consenso de Washington, e enquanto o novo ministro da Fazenda brasileiro, Guido Mantega, garantia a manutenção da ortodoxia na política econômica brasileira, Felisa procurou mostrar que a gestão heterodoxa da economia pelo presidente Kirchner está dando certo.

Os números, de fato, são impressionantes, embora a inflação continue o calcanhar-de-aquiles do modelo argentino. Desde o seu pior momento em 2001, e depois de ter caído cerca de 20%, a economia argentina já se expandiu em 36%, com crescimento médio de 9% em 2003, 2004 e 2005, quando cresceu 9,2%. "É um desempenho inédito nos últimos cem anos", disse. Para 2006, as projeções de mercado são de crescimento de 6% a 7%. Desde o auge da crise, a produção industrial argentina recuperou-se em 50%. O investimento, um dos pontos mais frágeis na fase inicial da recuperação, já voltou para 21% do PIB, e atingiu 24% no último trimestre de 2005.

O único ponto ortodoxo da gestão econômica na Argentina é a política fiscal. Segundo Felisa, o superávit primário (exclui juros) do setor público em todos os níveis ficou em uma média de 4,8% do PIB em 2004 e 2005. O superávit total das contas do governo teve média de 2% naquele período.

Na área externa em 2005, o superávit comercial foi equivalente a 7% do PIB, e o superávit em conta corrente a 2,5%. As exportações em doze meses já superaram US$ 40 bilhões, e estão 60% acima da média dos anos 90, antes da eclosão da crise de desvalorização do peso e calote da dívida em 2001. As importações já superam em 45% o nível da década de 90.

Em termos de indicadores sociais, o desemprego argentino caiu de 24% para 10,1%, desde o auge da crise, e a massa salarial cresceu 28% desde 2002. Com a recuperação acelerada da economia argentina, 7 milhões já deixaram a pobreza (de 57% para 34%); 4 milhões, a miséria (de 27,5% para 12%).

Felisa tocou ainda no ponto delicado da inflação na Argentina, que subiu para 12,3% em 2005, e que, dizem os analistas, deve continuar a crescer. Ela disse que a inflação argentina tem múltiplas causas e a estratégia de controle da inflação também tem de ser múltipla, envolvendo restrições a exportações de produtos com a demanda interna pressionada e os polêmicos acordos de preços com setores empresariais.