Título: Índia oferece álcool brasileiro para o Brasil
Autor: Nicola Pamplona
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/03/2006, Economia & Negócios, p. B14

Indianos compraram muito do País em 2005

A crise do álcool pode levar o País a uma situação inusitada: a de importar álcool hidratado nos próximos meses. Várias comercializadoras com operações no Brasil fazem as contas para saber se vale a pena ou não aceitar a grande oferta de álcool dos países asiáticos ao Brasil, principalmente da China e da Índia. A queda do dólar, a decisão do governo de reduzir o Imposto de Importação e a forte elevação dos preços internos podem ter tornado economicamente viável a operação, algo que poucos acreditavam há algumas semanas.

A situação é inédita, mas mais surpreendente é a oferta da Índia. Segundo uma fonte, grande negociador do produto no mercado mundial, a Índia oferece ao Brasil neste momento álcool brasileiro, comprado em 2005. "A Índia comprou muito no ano passado. O preço agora é muito maior do que quando eles compraram. Por isso, querem exportar para nós", disse a fonte.

Relatório distribuído ontem pela consultoria inglesa Kingsman, que acompanha o mercado mundial de etanol , informa que há um "surpreendente" interesse brasileiro de importar álcool nos "próximos seis meses". Informa ainda sobre diversas consultas no mercado mundial de frete marítimo para a importação de 40 milhões de m3 de álcool hidratado da África do Sul e do porto colombiano de Cartagena. Os destinos: o Nordeste e o Sudeste. O relatório cita negociações em curso entre compradores brasileiros e vendedores da China e Índia. A dificuldade é a diferença no preço. A oferta asiática varia entre US$ 520 e US$ 560 por m3 colocado no porto brasileiro. Os compradores querem a US$ 480 por m3.

Tarcilo Ricardo Rodrigues, diretor-presidente da Bioagência, uma trading brasileira de álcool e açúcar, confirmou que recebeu oferta de 26 milhões de litros de álcool provenientes da Ásia. O preço ofertado foi de US$ 550 por m3 no porto brasileiro. Até sexta-feira, o valor do metro cúbico na usina era de US$ 568. Há custos internos de frete, mas como se observa, os preços são praticamente equivalentes.

"É álcool de qualidade. Há grande oferta para o Brasil neste momento. O problema é o custo do produto para a distribuição no mercado local. Além disso, o tempo para a entrada do produto no Brasil é longo", afirma Rodrigues. Segundo ele, o tempo entre o fechamento do negócio e a chegada do álcool ao Brasil não será inferior a 40 dias. "Até lá, a produção no Centro-Sul estará em nível elevado. Talvez o preço deste álcool importado já não seja competitivo", diz Rodrigues. A trading recusou a oferta.

Agentes do mercado informam que outras tradings avaliam a viabilidade de importar. A Coimex e a Louis Dreyfus têm consultas no mercado mundial de frete marítimo. Observam a possibilidade de cada uma importar 20 milhões de litros. A Coimex quer trazer álcool da Índia, e a Louis Dreyfus, da China. O departamento responsável pelas negociações de álcool da Louis Dreyfus informou que desconhece a operação. A direção da Coimex não comentou o assunto, mas não confirmou nem negou o interesse.

O destino do produto pode ser o Nordeste. Segundo a fonte do mercado, a crise no Centro-Sul impediria a transferência de álcool para o Nordeste, e a importação supriria a demanda.

EXPORTAÇÃO

Enquanto isso, clientes do álcool brasileiro buscam o combustível em outros mercados.

A unidade de desidratação de álcool da Cargill instalada em El Salvador fechou contrato para a compra de 15 milhões de litros da China para embarque em março, e deverá comprar mais 15 milhões de litros para embarque em abril.

A unidade é usada para transformar álcool hidratado em anidro e exportar para os Estados Unidos sem o imposto de US$ 0,54 por galão. A unidade receberia álcool do Brasil, embarcado em Santos, mas não terá o produto por causa da crise interna.