Título: Vitória da esquerda não seria ameaça à democracia mexicana
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Fonte: O Estado de São Paulo, 04/04/2006, Internacional, p. A16

Andrés Manoel López Obrador será presidente do México. O candidato do Partido da Revolução Democrática (PRD) só perde se errar muito e Felipe Calderón, do partido governista, o da Ação Nacional (PAN), conseguir ótima performance nos debates pela televisão. A avaliação é de Chappell Lawson, professor de Ciência Política do Massachusetts Institute of Tecnology (MIT) e ex- diretor de Assuntos Interamericanos do Conselho de Segurança dos Estados Unidos. Lawson concedeu por e-mail a seguinte entrevista ao Estado.

López Obrador está 10 pontos percentuais à frente de Calderón, o candidato do presidente Vicente Fox. Ele está certo quando diz que será difícil perder? Por um longo período, só Obrador tinha algo a perder - no sentido que ele teve claramente a dianteira. A média da distância de Obrador em todas as pesquisas dos últimos três anos é a mesma de agora, 10 pontos. A campanha mudará esse número um pouco. Mas a não ser que haja algo inesperado, López Obrador vencerá.

López Obrador ameaça a democracia? Uma vitória da esquerda mostraria que não há problema no sistema eleitoral mexicano. Se haverá um realinhamento das massas - com grande deserção do PRI para os outros dois partidos - não está claro. Se um governo de López Obrador levará a uma polarização depende de como responderá às frustrações e à morosidade inerentes a um sistema de tentativa e erro.

Em 2004, o sr. disse que a democracia não estava consolidada no México. Qual a importância dessas eleições, nesse contexto? O México consolidou uma democracia eleitoral, pois há eleições livres, justas, regulares e inclusivas. Na verdade, seu regime eleitoral é superior a muitas democracias mais antigas, notadamente a americana. Mas aspectos da democracia mexicana não estão desenvolvidos, sendo a falta de cumprimento das leis o pior.

A democracia mexicana é superior à americana? E à brasileira? Não digo que a democracia no México seja superior à americana ou brasileira, mas seu sistema eleitoral impressiona. Um voto é um voto, não há um sistema de colégio eleitoral como o dos EUA. As urnas são padronizadas e a contagem é clara. Em nenhum sistema as finanças da campanha são perfeitamente reguladas, e os sistemas americano e mexicano têm falhas. Mais importante é o fato de o sistema eleitoral mexicano ser bem regulado pelo Instituto Federal Eleitoral e um tribunal independente.

Nenhum partido deve ter maioria na Câmara. Como o vencedor realizará seu programa? É improvável que o PRD tenha maioria na Câmara dos Deputados. Mas pode ter um bom número na Câmara, e, com dissidentes do PRI, obter maioria. Isso é impossível no Senado, pela divisão dos votos, mas a Câmara importa mais, por controlar o orçamento.

Por que Calderón não ameaça López Obrador? Ele tem a porcentagem esperada. Enfrenta um forte concorrente e superou Madrazo. Ele pode crescer. A demografia da mudança de votos tende a favorecer o PAN, cujo eleitorado é mais rico, educado e urbano.

Qual o tema mais importante na agenda dos candidatos? Há diversidade. Nas áreas rurais, problemas com água aparecem bastante. Na Cidade do México, o crime domina a agenda. Emprego é importante em todos os lugares. Calderón vai bem ao falar no combate à corrupção, mas López Obrador tem grande desempenho abordando a pobreza.

Por que o PRI vai mal? O PRI escolheu um candidato de sua ala não-reconstruída e está dividido. Esperamos um realinhamento.Talvez ele esteja finalmente diante de nós - pela primeira vez na história, ele deve ter menos votos para o Congresso que o PAN e o PRD.

Pode o PRD começar uma nova hegemonia, como teve o PRI? O México tem um sistema presidencial e uma legislatura bicameral, com membros eleitos por diferentes fórmulas. Isso traz uma série de mecanismos que barrariam esse processo. O problema é que os presidentes mexicanos têm um mandato de seis anos, e que, ao contrário do Brasil, não há segundo turno. Seria mais fácil governar o México se ele pudesse desenvolver algo como um sistema bipartidário.