Título: Carga tributária e investimento público
Autor: Clóvis Panzarini
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/03/2006, Economia & Negócios, p. B2

É impróprio amaldiçoar a magnitude de nossa carga tributária, pois ela é mera conseqüência do tamanho do Estado brasileiro. De fato, qualquer governo responsável deve arrecadar o montante necessário para suportar as suas despesas e, quando o setor público é mastodôntico, a carga tributária também o será.

Se o Estado brasileiro custa 38% do produto interno bruto (PIB), é ingenuidade imaginar que a sociedade deva pagar menos tributos do que isso. Na realidade, o setor público, consideradas as despesas de juros, custou em 2005 mais que 38% do PIB, pois o estoque da dívida aumentou R$ 141 bilhões naquele ano. Já faz parte do passado a tola percepção de que o governo detém o poder mágico de criar riquezas e gastar de forma ilimitada. Do querosene do Aerolula ao salário do vereador, nós, os contribuintes, temos de pagar, por meio dos impostos, cada centavo que o governo gasta, pois não existe almoço gratuito.

A farra fiscal acabou e o garçom trouxe a conta da dívida pública, cujo montante já supera R$ 1 trilhão. Ela cresce continuamente, porque o superávit primário - que representa a "poupança" do governo para honrar o serviço da dívida - não é suficiente sequer para pagar os juros. O superávit primário médio nos três primeiros anos do governo Lula equivaleu a 4,56% do PIB, o que resultou em déficit nominal médio - o que faltou para honrar a dívida plenamente - de 3,66% do PIB. Enquanto o déficit nominal (receita total menos despesa total, inclusive juros) não for zerado, a dívida pública brasileira e a necessidade de receita para financiar os juros crescerão.

Recente estudo divulgado pelo economista Raul Velloso, especialista em contas públicas, mostra a evolução dos gastos do governo nos últimos dez anos. Os resultados são assustadores e ajudam a compreender por que a capacidade de investimento do setor público brasileiro é próxima de zero e a carga tributária brasileira, uma das mais altas do mundo, apesar de os serviços públicos oferecidos serem insuficientes e de péssima qualidade. De acordo com esse estudo, nos últimos dez anos as despesas primárias do governo federal - que são as despesas correntes não-financeiras e não incluem os juros nem os investimentos - cresceram 77% acima da inflação, ou 5,87% ao ano. Considerados apenas os últimos três anos, isto é, de 2003 a 2005, a taxa de expansão das despesas primárias ficou 6,25% acima da inflação.

De outro lado, o investimento da União, vital para o crescimento do País, totalizou, nos primeiros três anos do governo Lula, R$ 25,2 bilhões, 69% menor em termos reais do que o montante gasto no triênio anterior, quando foram investidos R$ 49,4 bilhões. Considerados apenas os números de 2005, o governo federal arrecadou R$ 404 bilhões de tributos e investiu pífios R$ 10 bilhões, 2,47% daquele total, enquanto a rubrica "outras despesas correntes", que é o balaio no qual cabem todos os desperdícios públicos, totalizou R$ 55 bilhões.

O Estado gigante, devorador de receitas públicas, drena preciosos recursos do contribuinte e gasta quase tudo com pagamento de juros e custeio de sua pesada e ineficiente máquina pública. De cada R$ 100 arrecadados pelo governo federal no ano passado, R$ 97,53 foram gastos com despesas correntes como salários, Previdência Social e outros custeios e com pagamento de juros da dívida pública. Apenas R$ 2,47 foram investidos em obras de infra-estrutura. É eloqüente o exemplo do estado de abandono de nossas estradas, que está impondo pesados custos ao setor produtivo brasileiro. O custo de transporte da soja produzida em Mato Grosso até o porto de embarque para exportação, por exemplo, é de US$ 62 por tonelada, que representam 26% da cotação internacional daquela commodity, enquanto nos Estados Unidos o custo de transporte é de US$ 18, ou apenas 7,6% de sua cotação.

Essa diferença de US$ 44 por tonelada, que é descontada da remuneração do agricultor nacional, representa o custo de nossa incapacidade de investir. A carga tributária não é o único entrave ao crescimento nacional. A qualidade do gasto público também tem conseqüências funestas para o setor produtivo brasileiro. O governo não tem feito nada além de gambiarras, e qualquer ridícula operação tapa-buracos é motivo de festa com direito a discurso do primeiro mandatário do País. Temos, pois, de repensar o tamanho do Estado brasileiro e a qualidade de seu gasto, se quisermos recuperar a capacidade de investimento do governo, reduzir a carga tributária e parar de celebrar operações tapa-buracos.