Título: Os trunfos que o Irã tem para desafiar quase o mundo inteiro
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Fonte: O Estado de São Paulo, 08/03/2006, Internacional, p. A16

Após anos de negociações nas quais tocaram sua partitura sucessivamente os EUA, depois os europeus (França, Inglaterra e Alemanha), a Rússia e, na sombra, a China, chegou a hora do braço de ferro entre o Irã e o Ocidente. Agora que a reunião de Viena deve transferir o dossiê nuclear iraniano para o Conselho de Segurança das Nações Unidas, com prováveis sanções desse organismo, o representante americano na ONU, John Bolton, advertiu: "Os Estados Unidos recorrerão a todas as ferramentas a sua disposição." Que trunfos o Irã possui para ousar desafiar o mundo quase inteiro?

Primeiro trunfo: a opinião pública iraniana. A rebelião nuclear de Teerã é amplamente apoiada pelas massas iranianas. Mesmo os que detestam o furioso presidente iraniano, Mahmud Ahmadinejad, apóiam suas reivindicações nucleares. Para atiçar a revolta iraniana, uma anomalia: o Irã assinou o Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP) e é censurado pelo Ocidente. Outros países, ao contrário, não são signatários desse tratado de não-proliferação, mas não são sancionados! Por exemplo, Israel, que possui a bomba.

Segundo trunfo: os EUA já cutucaram dois vespeiros - Afeganistão e Iraque. Não se vê como o Pentágono ousaria acrescentar a esses dois fardos um conflito ainda mais perigoso. Mas esse argumento é contradito por algumas vozes americanas. O jornal The Sunday Telegraph assegurava um dia desses que o Pentágono se prepara para bombardear instalações nucleares iranianas a partir de submarinos equipados com mísseis balísticos.

Terceiro trunfo: os EUA deveriam refletir antes, porque o Irã é próximo dos grupos xiitas que deverão dominar o futuro governo iraquiano. "O Irã está presente no Iraque, Afeganistão e Palestina", disse um diplomata iraniano. "Os ocidentais precisam de nós."

Quarto trunfo: o petróleo. A crise estoura no momento em que os preços do barril estão no ponto mais alto, o que favorece o Irã. Além disso, o mundo começa a tomar consciência de que as reservas de petróleo não são ilimitadas. O Irã é um dos maiores produtores. Cortar o rio de combustível que sai do Irã mergulharia o Ocidente numa situação crítica.

Entretanto, a arma petrolífera tem dois gumes. Com efeito, o próprio Irã, graças a sua prosperidade dos últimos anos, tornou-se cada vez mais subordinado ao petróleo. Sua economia é três vezes mais dependente do petróleo do que era há sete anos. O povo iraniano vem consumindo cada vez mais produtos estrangeiros. Hoje, o Irã importa mais de US$ 500 de produtos por habitante ao ano.Essa dependência do comércio internacional torna o Irã vulnerável: sanções eventuais da ONU golpeariam duramente o país. A própria gasolina poderia faltar.