Título: Relator pede cassação de João Paulo Cunha
Autor: João Domingos, Denise Madueño
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/03/2006, Nacional, p. A6

Schirmer concluiu que deputado não só recebeu R$ 50 mil de 'origem espúria' como confundiu público e privado; Ângela Guadagnin pediu vistas

Num relatório arrasador, o deputado Cezar Schirmer (PMDB-RS) recomendou ontem ao Conselho de Ética a cassação do mandato do ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP) por quebra de decoro parlamentar. Schirmer concluiu que João Paulo não só recebeu R$ 50 mil de "origem espúria" do publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza, mas confundiu o privado com o público, fez intermediações indevidas e buscou tirar proveito próprio pelo fato de ser presidente da Câmara. Enfim, que feriu a ética e o decoro.

Nervoso e lívido depois de ouvir por duas horas e meia os argumentos jurídicos, morais e éticos relacionados no relatório de Schirmer, que apontou dezenas de contradições na sua defesa, João Paulo recuou da decisão de fazer com o que o processo andasse o mais rápido possível. Interrompeu o presidente do conselho, deputado Ricardo Izar (PTB-SP), quando o debate sobre o relatório começava, e autorizou a fiel escudeira Ângela Guadagnin (PT-SP) a pedir vistas de seu processo de cassação.

Com isso, o processo de julgamento de João Paulo pelo Conselho de Ética só recomeçará na semana que vem. Há a expectativa de que o relatório será aprovado por 11 votos a 4 ou 12 a 3. Quase duas horas depois da suspensão da reunião do conselho, João Paulo divulgou nota segundo a qual amanhã vai responder a todos os argumentos de Schirmer. Por enquanto, disse que "as versões dos fatos reunidos pelo relator na sua proposição não apresentam qualquer novidade. O que há de novo é a sua criatividade e a capacidade de colar peças segundo a sua conveniência e interesse".

"Foi um relatório magistral. Destruiu toda a defesa do deputado João Paulo", disse o deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP). "É uma peça incontestável, profunda, densa", afirmou o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ). Até Ângela Guadagnin cumprimentou Schirmer. Enquanto lhe dava um beijo no rosto, sussurrou: "Foi um trabalho muito bem feito. Parabéns."

CONTRADIÇÕES

Nas 68 páginas de seu relatório, Schirmer usou as próprias respostas de João Paulo para apontar contradições em sua defesa. Também recorreu a uma sindicância interna da Câmara e a uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) que investigaram o contrato feito pela presidência da Câmara com Marcos Valério. A conclusão não poderia ser mais desfavorável a João Paulo. De acordo com as apurações, do contrato de R$ 10.745.902,17 com a SMPB, apenas R$ 17.091 foram pagos por serviços diretamente executados pela empresa de Marcos Valério. O restante foi realizado por empresas subcontratadas.

Das 118 subcontratações, a SMPB só não recebeu honorários em duas delas. No total, embora sem prestar nenhum serviço, a empresa recebeu R$ 1.075.388,22 da Câmara a título de honorários pelas subcontratações. Schirmer lembrou que embora João Paulo fosse o único candidato a presidente da Câmara, em fevereiro de 2004, o PT contratou a empresa de Valério por R$ 150 mil.

Schirmer recordou que dia no 3 de setembro de 2004 Valério tomou café da manhã com o presidente da Câmara, na residência oficial; no dia 4, Márcia Regina Cunha, mulher de João Paulo, foi ao Banco Rural sacar R$ 50 mil (o deputado alega que o dinheiro foi pedido ao ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares para pagar pesquisas eleitorais em cidades onde é bem votado, mas as notas fiscais pelos serviços que apresentou estão em seqüência, embora em datas separadas por mais de 30 dias). Schirmer acrescentou que no dia 15 de setembro foi aberto o processo licitatório de publicidade da Câmara, vencido pela SMPB.

Por fim, Schirmer enumerou omissões e ilicitudes cometidas pelo deputado. Entre elas, o recebimento de uma caneta Mont Blanc para si e de passagens aéreas e diárias num hotel do Rio para sua secretária Silvana Japiassu. Citou ainda a participação do ex-presidente da Câmara numa reunião entre Valério e o jornalista Luís Costa Pinto - sublocado pela SMPB para prestar serviço para a Câmara.