Título: Ousadia puro-sangue
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/03/2006, Nacional, p. A6

Uma chapa com Serra e Alckmin poderia ser a surpresa prometida pelo PSDB

Juntemos uma idéia a uma declaração enigmática, deixemos de lado um pouco os critérios tradicionais aplicados à formação de alianças eleitorais, levemos em conta a necessidade imperativa de o PSDB dar uma demonstração verossímil de unidade, abandonemos o receio de pensar em hipóteses aparentemente impossíveis e estaremos prontos para nos atrever a incluir no cenário da construção da candidatura tucana à Presidência da República a possibilidade de o partido unir José Serra e Geraldo Alckmin numa chapa puro-sangue.

A idéia está na cabeça do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso que, no dia 3 de fevereiro, conversava em São Paulo, em seu escritório do centro da cidade, a respeito.

"Ninguém no partido aprova, mas talvez fosse o caso de o PSDB lançar uma chapa com o vice do partido", dizia, argumentando que para o PFL o lugar de vice não valeria tanto quando o apoio dos tucanos para candidatos pefelistas a governador; além disso, com a saída de Serra ou Alckmin, o partido - vice na Prefeitura e no governo - já receberia um legado substancial.

Na ocasião, FH não falava em nomes. Instado a preencher o campo "quem", dizia apenas "alguém".

A declaração enigmática, o governador Aécio Neves produziu 19 dias depois, em 22 de fevereiro: " Estamos preparando uma demonstração de unidade que vai surpreender a todos. Quando acontecer, ficará claro que não havia motivo para aflições, que as divisões eram fruto de desinformação e que, na verdade, o jogo estava combinado desde sempre."

Na ocasião, pareceu uma fala encomendada ao molde de dissipar a má impressão causada pela maneira atabalhoada - e por que não dizer, amadora - de o PSDB conduzir internamente a escolha de seu candidato.

Agora, quando surgem especulações (já desmentidas) de que o final inusitado poderia ser um acerto pelo qual Geraldo Alckmin concorreria à Presidência e José Serra trocaria a Prefeitura pela candidatura ao governo do Estado, a memória se remexe e aventa a hipótese de que o acordo surpreendente possa não estar aí, mas em outra direção, a da chapa pura, que realmente equivaleria a uma solução tão ousada quanto inexeqüível à primeira vista.

Mas, continuemos a acompanhar os movimentos tucanos, que podem dizer mais que as palavras. O mesmo Fernando Henrique que discorria sobre a chapa só tucana há um mês, na segunda-feira, durante homenagem póstuma a Mário Covas, propôs ao PSDB um gesto de ousadia.

"Não se constrói nada em política sem ousar. Há um momento em que é preciso ousar", afirmou invocando o atributo da lealdade presente em Covas como a chave das relações políticas.

É evidente que tal caminho, o da chapa puro-sangue, requereria uma dose de atrevimento extra para romper com a lógica das alianças. Afinal, uma chapa Serra-Alckmin (que não estaria impedido de assumir um ministério de peso em caso de vitória) traduziria o abandono de critérios de equilíbrio regional, pois os dois são de São Paulo, e partidário.

Mas, tomando por base a realidade e não os dogmas simbólicos, poderíamos perguntar: considerando que os tucanos já têm uma base em Minas Gerais com Aécio Neves, estão muito bem no Sul, faltando-lhes adquirir força no Nordeste, seria o vice o fator primordial de conquista de votos?

Um político nordestino do PFL teria por si só o poder de transferir uma boa parte dos votos do presidente Luiz Inácio da Silva para o candidato do PSDB?

Um espectador atento poderia lembrar que o PMDB talvez fornecesse um vice capaz de acrescentar valores eleitorais de peso aos tucanos.

Seria um caminho a considerar, se não fosse zero a chance de os pemedebistas da oposição conseguirem levar o partido a aprovar tal proposta. Ainda assim, examinemos: José Serra concorreu em 2002 com uma vice do PMDB e a nulidade eleitoral dessa junção dispensa apresentações.

Longe daqui a pretensão de desenhar o retrato fiel da solução final para o dilema tucano. Mas digamos que como raciocínio hipotético também não seja um delírio total.