Título: O capital privado na infra-estrutura
Autor: Paulo Godoy
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/03/2006, Espaço Aberto, p. A2

O impacto do capital privado na infra-estrutura é visível. Onde ele foi aceito e incentivado, as gigantescas deficiências na oferta de serviços públicos foram mais facilmente superadas. Os exemplos tornam a tese mais clara. De um lado, a sociedade não consegue imaginar-se sem celulares, linhas fixas e transmissão de dados por banda larga, setor em que a universalização foi conseguida a partir das privatizações e concessões. Infelizmente, de outro, há insuficiência do sistema de saneamento básico, problema crônico que faz desperdiçar milhões com gastos em atendimento hospitalar.

No saneamento, os números são de arrepiar e a conduta do Estado é de estarrecer. Mantido o ritmo médio de investimento federal dos últimos três anos, a universalização no atendimento de água e esgoto no Brasil ocorreria em três séculos. Se somados todos os aportes públicos e privados, os cidadãos teriam acesso aos serviços em 62 anos. A demora é fruto de um modelo em que o poder público, por mais força que faça, não tem dinheiro ou condições operacionais para gastar, emprestar ou tomar emprestado, na quantidade necessária, salvo raras exceções. Já as empresas privadas, por mais interesse que tenham, não sentem segurança para os negócios, pois não há regras para o investimento e o esboço delas mais repele do que atrai.

Do lado das boas notícias, há bons exemplos. Um é a universalização dos serviços de telecomunicações. Somente entre 1998 e 2002, a quantidade de linhas fixas subiu de 20,2 milhões para 49,4 milhões e a de linhas móveis, de 5,6 milhões para 30,9 milhões. No período, mais 1 milhão de terminais públicos - os conhecidos "orelhões" - foram disponibilizados e qualquer vila com mais de 600 habitantes recebeu acesso. Outro é a área de transmissão de energia. Desde 1999, quando a agência reguladora setorial, a Aneel, realizou o primeiro leilão de concessões para empresas públicas e privadas construírem e operarem novas linhas, o sistema já aumentou em cerca de 18 mil quilômetros, atingindo 82 mil quilômetros. Com as concessões, a extensão da rede cresce quatro vezes mais em comparação com o período sem elas.

O setor rodoviário, da mesma forma, reflete os benefícios do emprego do capital privado. Onde a estrada está sob responsabilidade de concessionárias, 78,4% da extensão das vias está em condições boas ou ótimas, ante 21,6% em estado ruim, péssimo ou regular. Já nas rodovias federais, a relação é totalmente inversa: apenas 25,3% em condições de tráfego razoáveis. Em São Paulo, desde 1998 - em alguns casos, desde 2000 - cerca de 3.500 quilômetros de estradas são administrados por empresas privadas, que já aportaram R$ 6,9 bilhões em obras de restauração e duplicação. As dez melhores estradas do Brasil são custeadas por pedágios e quase todas estão em território paulista.

A infra-estrutura é, sabidamente, o setor que pode impulsionar uma economia para a frente com mais robustez, com geração de riqueza e desenvolvimento social. Mas isso não ocorre sem investimentos. O Estado, no geral, tem buscado mais fôlego para atravessar esse caminho, mas a tosse é recorrente. No ano passado, o governo federal conseguiu aplicar, efetivamente, somente R$ 3 bilhões em infra-estrutura, apenas 36,1% do volume autorizado pela equipe econômica. Cerca de R$ 1,7 bilhão em restos a pagar também foi gasto em infra-estrutura em 2005. Os limites - fiscais, operacionais e estruturais - são visíveis.

A solução implementada foi buscar a participação do capital privado para expandir a infra-estrutura. Quando o Estado decidiu abrir o setor para as empresas, em 1996, com a aprovação da Lei de Concessões, os recursos vieram em quantidade razoável. Em dez anos, a infra-estrutura brasileira recebeu US$ 66,3 bilhões somente de investimentos externos brutos por meio de privatizações e concessões. Esse volume foi indispensável para ajudar a expandir ou universalizar o atendimento. No entanto, o Brasil ainda requer mais torque. Em números atualizados, requer US$ 26,8 bilhões ao ano. Em 2005, infelizmente, os aportes devem ter atingido de 55% a 60% dessa marca, juntando recursos públicos e privados realmente aplicados.

Há perspectivas de todos os sabores. Em ano eleitoral, há um esforço maior para implementar obras. Os primeiros projetos de Parceria Público-Privada (PPP) também podem começar a deslanchar. Mas há retrocessos visíveis na construção do arcabouço regulatório para setores importantes, como no saneamento, em que o sinal emitido é o baixo interesse pelo capital privado. Isso força a outra ponta da gangorra do investimento para baixo.

A maior questão a ser respondida ainda é se o Estado brasileiro quer ou não o capital privado na infra-estrutura. Se responder positivamente, a primeira tarefa é criar um arcabouço regulatório estável, claro e atrativo, com agências reguladoras autônomas financeiramente e independentes politicamente. As atividades passíveis de transferência ao setor privado deveriam ser feitas. O papel do Estado mudou. Antes, era predominantemente investidor; hoje, deve ser regulador e fiscalizador, o que não impede que ele seja indutor dos investimentos.

Talvez, hoje, o principal desafio da administração pública seja o de regular os mercados de infra-estrutura, garantindo equilíbrio e realidade econômica nos preços, pois artificialidades não são sustentáveis em médio e longo prazos. Se o Estado decidir que o consumidor não deve pagar a conta pelos serviços, quem o fará, no fim, será o contribuinte.

O capital privado não pode continuar a ser visto com desconfiança ou dispensabilidade. O maior corretivo à incredulidade é o olhar frio da História. Os resultados alcançados em setores como rodovias, transmissão de energia e telecomunicações são capazes de abalroar mitos e enterrar inverdades. No entanto, infelizmente, nem sempre servem como experiência para o que falta ainda fazer.