Título: E por que não Serra para o governo?
Autor: José Nêumanne
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/03/2006, Espaço Aberto, p. A2

As pesquisas recém-divulgadas trouxeram notícias tão aziagas para o PSDB que já há quem mofe dos tucanos dizendo que se suspeita de que a gripe aviária tenha desembarcado em seu ninho. Em política, contudo, é possível fazer de limões cortados uma boa limonada ou de ovos quebrados, uma gemada. E a constatação de que os escândalos de corrupção não fazem mais Lula e o PT sangrarem, como a oposição queria, está sendo feita em tempo para que os oposicionistas reflitam e encontrem nela motivação para tornar o pleito pelo menos competitivo. Ou melhor, os pleitos. Sim, pois a notícia da pesquisa do Ibope, restrita ao território do maior colégio eleitoral do País, o Estado de São Paulo, traz ao mesmo tempo uma terrível constatação e uma idéia redentora para esses mesmos tucanos que, de tão óbvia, nenhum deles havia prestado atenção nela.

Antes, a constatação. Mais grave do que não haver ainda se acertado quanto ao candidato que se oporá ao presidente da República em outubro - se o governador Geraldo Alckmin ou o prefeito José Serra -, o que ajudou o adversário a reconquistar parte do terreno perdido anteriormente, é a inexistência de um nome forte para disputar a sucessão estadual paulista. E tão frágil é a posição tucana nessa disputa que brilha na ponta da tabela a pré-candidata petista Marta Suplicy. Depois do desastre administrativo que ela impôs à capital do Estado e de haver abandonado o Município ao saber da derrota eleitoral, ela lidera a pesquisa! Por menos definitiva que esta seja, até porque a soma das preferências de votos dos dois favoritos nem sequer atinge a metade dos entrevistados, o grave é saber que concorreria com Marta o ex-governador Orestes Quércia, senhor do PMDB no Estado. E o tucano mais bem situado, José Aníbal, oscila entre 3% e 4%. Que desempenho pífio para o vereador mais votado de São Paulo e do partido que governa o Estado há 11 anos! Tão pífio que não afasta do páreo o ex-governador Paulo Maluf, recém-saído de temporada na carceragem da Polícia Federal.

Diante dessa constatação, o PSDB pode ter três atitudes: deixar-se levar pelo desespero, chorar, rasgar as vestes e depositar cinza morna sobre a fronte; apostar na possibilidade de José Aníbal (e não seria inteligente investir em alguém que nem tenha sido citado na pesquisa) ressuscitar e elevar a cotação, como já o fizera Alckmin na disputa anterior; ou apostar num peso pesado para garantir pelo menos a permanência no Palácio dos Bandeirantes, já que será mais difícil desalojar o PT do Planalto. Fernando Henrique seria a solução? Dificilmente! Em política não há homenagens, diria Franco Montoro, se vivo estivesse, relembrando sua derrota não apenas para o vencedor Eduardo Suplicy, mas até para Ferreira Neto, na disputa pelo Senado, depois de ter sido um governador competente e um dos principais líderes da campanha das diretas já.

O óbvio aponta para José Serra. Ele mesmo. Sabe-se que o prefeito de São Paulo tem muito a perder se atender ao apelo do partido e deixar agora o comando do terceiro maior orçamento do País para disputar o maior de todos, com duvidosas (no mínimo) possibilidades de vencer o atual ocupante do cargo. Maior seria o sacrifício, pois deixaria a Prefeitura para o PFL e não teria pela frente a barbada que seus correligionários esperavam há três meses, quando os escândalos de corrupção lhes davam a ilusão de que o presidente ficaria sangrando no cargo até a eleição e então seria fragorosamente derrotado nas urnas. Ou nem isso, pois havia até quem apostasse que Lula nem sequer se candidataria, empurrando a tarefa para algum outro aliado. Hoje o quadro é bem diferente e, se ainda não recuperou a aura de imbatível que tinha antes da delação de Roberto Jefferson, o presidente é, no mínimo, favorito na disputa pela reeleição. É provável que as imagens do escândalo do "mensalão" na campanha no rádio e na televisão enfraqueçam essa posição, mas quem apostaria mais da metade do mandato na Prefeitura do maior município do País nisso?

Pois é. O pleito estadual nunca será líquido e certo para Serra, pois eleição só se ganha na urna e na hora, como provou Luiza Erundina ao vencer Paulo Maluf no fim de semana da votação. Mas ninguém precisa ser um gênio analítico nem um profeta inquestionável para saber que será mais conveniente para o prefeito enfrentar a comparação de sua administração com a da antecessora (provável candidata petista tanto pelo apoio da máquina partidária, ainda comandada por José Dirceu, que não perdoou nem jamais perdoará a "traição" do outro pretendente, o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante, quanto pelo prestígio eleitoral) que o cotejo entre as gestões federais de Lula e do antecessor dele, Fernando Henrique.

Nem a eleição de Serra para governador nem a de Lula para presidente são favas contadas, é claro. Mas, dos protagonistas desse jogo de cadeiras, o único que não tem alternativa é Geraldo Alckmin, que não se pode candidatar ao governo do Estado e também não terá vida fácil se o partido lhe confiar a tarefa de impedir a volta de Eduardo Suplicy (PT) ao Senado. Diante disso, fazer do limão cortado a limonada e dos ovos quebrados a omelete seria, para o PSDB, não ter de optar entre os dois, mas lançar o prefeito para o governo e o governador para a Presidência, com a vantagem de atrelar o destino da eleição de um ao do outro, forçando ambos a trabalharem pelo sucesso do correligionário, o oposto do que têm feito, numa luta fratricida que ajudou a elevar Lula de volta ao pódio. A alternativa será deixar limões e ovos apodrecerem sem fazer a limonada nem a gemada. A incapacidade de o PSDB explorar politicamente a frustração dos índices econômicos e a clandestinidade imposta aos irmãos de Celso Daniel mostra que ela também está posta na mesa.