Título: A Era das Expectativas Diminutas
Autor: Ilan Goldfajn
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/04/2006, Espaço Aberto, p. A2

Agora virou praxe. Todo ministro da área econômica assume prometendo fé eterna na atual política econômica. Não importa o que tenha dito ou feito no passado recente, nem no que realmente acredite. De certa forma, é reconfortante. Poucos estão dispostos a mudar o que parece estar na direção correta. E o avanço institucional é tal que, hoje, é menos provável uma reviravolta na economia - no Brasil, ao contrário da Argentina, mudanças radicais são a exceção, e não a norma. Mas, infelizmente, não basta perpetuar o existente, é necessário um projeto coerente para o futuro. O que não avança recua.

O mercado financeiro tranqüiliza-se porque não haverá mudança no tripé da política econômica - superávits primários, câmbio flutuante e metas para inflação - e porque o ministro Guido Mantega não vai querer ter iniciativas que venham a pôr em risco o conquistado até agora, principalmente em ano eleitoral.

Mas para preservar o que foi conquistado é necessário avançar. Tome-se, como exemplo, o superávit primário (que resulta do balanço das receitas e despesas não-financeiras, ou seja, que não incluem os gastos com juros). Esse é um indicador que, acredita-se, mede mais apropriadamente o esforço fiscal do governo. Nos últimos sete anos o Brasil tem cumprido com folga as metas de superávit primário e isso tem permitido conquistar a credibilidade na área fiscal. Mas, como qualquer indicador isolado, o superávit primário não consegue mostrar toda a situação fiscal.

Nos últimos anos a despesa pública tem crescido a taxas elevadíssimas - no ano passado, o crescimento foi de 10% acima da inflação. Para alcançar as metas de superávit primário foi necessário aumentar sobremaneira a arrecadação, de tal forma que a carga tributária hoje se aproxima de 40% do produto interno bruto (PIB) e sufoca o setor privado. Uma extrapolação para o futuro dessa tendência mostra que para preservar o superávit primário em 4,25% do PIB (que todos fazem juras de manter) seria necessário elevar a carga tributária a níveis irreais (alcançaria 73% do PIB em 2020). Corremos o risco de desmoralizar o superávit primário como nosso indicador adequado para avaliar a situação fiscal. O mais provável é que, na ausência de reformas, o superávit primário seja abandonado. Mas, nesse caso, a relação dívida-PIB aumentaria continuamente e alcançaria níveis insustentáveis.

Mesmo estabilizando o crescimento das despesas, a sua composição preocupa. Hoje, o componente dos gastos direcionados ao investimento público, essencial para preservar o crescimento, é ínfimo, em torno de 1,5% do PIB (de quase 40% do PIB arrecadado!). O grosso das despesas é composto por gastos de pessoal e com a Previdência. Na ausência de reformas nessa área, vamos ter problemas.

Mas o novo ministro declara fé apenas na preservação dos superávits primários. Deixa claro que não vê necessidade de uma nova etapa na reforma da Previdência e que não considera necessário um projeto fiscal de longo prazo, nos moldes do que sugeriu seu antecessor. Esse é um exemplo claro em que a falta de avanço implica retrocesso.

E há muito que ganhar com o avanço. Por exemplo, no esforço de redução da taxa de juros. Hoje o Brasil convive com taxas de juros reais (ou seja, acima da inflação) um pouco acima de 10% ao ano (para aplicações de um ano). Vários países já tiveram taxas de juros até maiores que as do Brasil e foram capazes de reduzi-las acentuadamente em poucos anos. Há vários exemplos recentes. A Turquia, no começo de 2003, amargava juros reais de 25% ao ano. Em apenas dois anos conseguiu que suas taxas convergissem para níveis abaixo de 7% ao ano. A perspectiva de ingresso na União Européia (UE) serviu de âncora importante. Mas não foi a única razão para a queda dos juros. Houve uma redução de quase 8% do PIB nas despesas do governo. Como conseqüência, a inflação caiu significativamente, o que permitiu a queda da taxa de juros. A Polônia é um caso semelhante, onde a taxa de juros real caiu de 9% ao ano, em 2001, para 3%, em menos de quatro anos. Na América Latina ocorreu o mesmo, mas sem a ajuda da proximidade com a UE. No Peru, as taxas caíram de 16%, em 2001, para 2%, em menos de dois anos! Na Colômbia, caíram de 25% para 3%, em três anos. Em todos os casos, a responsabilidade fiscal imperou, houve restrição no crescimento das despesas e a inflação caiu.

No Brasil não temos uma âncora geográfica (em direção à Europa ou aos EUA) que auxilie na convergência dos juros para níveis mais baixos, mas temos uma perspectiva saudável de balanço de pagamento, que funciona como uma âncora substituta. E a inflação este ano já deve cair para um número em torno de 4,5%, o centro da meta deste e do próximo ano (e, provavelmente, do seguinte). O espaço para a queda dos juros está dado. Para aprofundar e acelerar a queda dos juros (além da tendência) falta estabelecer um projeto fiscal de longo prazo, que resolva o problema do crescimento das despesas e venha a iluminar um rumo futuro para a economia do País.

Em suma, é necessário um projeto que vá além do cumprimento dos superávits primários no curto prazo, que, por ora, têm sido obtidos com aumentos da carga tributária e compressão dos investimentos, ambos prejudiciais ao crescimento econômico. Paul Krugman, economista renomado (hoje colunista do jornal The New York Times), cunhou a expressão "A Era das Expectativas Diminutas", título de um dos seus livros, para descrever o então baixo estado de ânimo dos EUA com seu futuro. Hoje, no Brasil, ter expectativas diminutas significa contentar-se em manter somente o tripé macroeconômico, na sua versão simplória. Pregar apenas a sua manutenção resulta, na melhor das hipóteses, em que nada irá mudar, inclusive as taxas de crescimento do País.

Ilan Goldfajn, professor da PUC-Rio, sócio da Gávea Investimentos, foi diretor do Banco Central E-mail: igoldfajn@gaveainvest.com.br. Site: http://www.econ.puc-rio.br/goldfajn