Título: Descontrole fiscal
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/04/2006, Notas e Informações, p. A3

O Brasil se manteve no ano passado como recordista de impostos entre os países em desenvolvimento. Poderá conservar a liderança e talvez bater o próprio recorde neste ano, se o governo continuar gastando como até agora. A enorme tributação brasileira é a contrapartida do excesso de gastos oficiais. São faces de uma só moeda. A carga tributária não será aliviada enquanto não pararem de crescer as despesas do setor público. Se apenas a receita encolher, a dívida federal explodirá e os juros nunca diminuirão.

Por qualquer critério a carga tributária nacional é uma aberração. Correspondeu em 2005 a 38,9% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo estimativa dos economistas José Roberto Afonso e Beatriz Barbosa Meirelles. A avaliação foi divulgada pelo Núcleo de Estudos de Políticas Públicas da Unicamp e noticiada pelo Estado no domingo.

De 2004 para 2005 a arrecadação cresceu R$ 100,3 bilhões, enquanto o PIB aumentou R$ 171 bilhões em termos nominais. O setor público, segundo esse cálculo, devorou 58,6% da produção adicional.

Uma carga pouco menor é apontada por outras estimativas. Segundo cálculo de Amir Khair, ex-secretário de Finanças do Município de São Paulo, o setor público arrecadou no ano passado cerca de 37% do PIB. Seu cálculo é baseado nos critérios da Receita Federal e não inclui, como o de Afonso e Meirelles, outras obrigações legais, como royalties e taxas.

Seja qual for a forma de cálculo, o número resultante aponta uma situação desastrosa. Fica em torno de 27,4% a carga tributária média do mundo em desenvolvimento, segundo os dados do FMI. No Chile, corresponde a 18,7%. A média dos países industrializados, 38,8%, empata com a carga brasileira, segundo o cálculo divulgado pela Unicamp, ou fica ligeiramente acima da estimada por Amir Khair.

A discussão sobre as duas estimativas pode ser muito interessante para os especialistas, mas não afeta a conclusão mais importante: a economia brasileira tem uma tributação de mundo rico e de fato maior que a dos EUA (25,8%), do Japão (26,3%), da Austrália (30,7%) e da Espanha (34,3%). A média dos países mais desenvolvidos é puxada para cima pelos países com sistemas previdenciários e assistenciais extremamente generosos, como a Alemanha, a Suécia e a Itália. Mas esses países perderam dinamismo econômico há vários anos e em todos eles há um intenso debate sobre o excesso de tributação.

Bastaria o peso dos tributos para fazer do caso brasileiro uma aberração. Mas isso não é tudo. Apesar do excesso de impostos e contribuições, o setor público presta serviços de baixa qualidade e tem sido incapaz de investir, há mais de uma década, na infra-estrutura e na formação de capital humano. O aumento da carga tem sido motivado não pelos programas de crescimento e de bem-estar, mas pelo descontrole do custeio e pela expansão contínua dos gastos previdenciários.

As despesas federais, sem contar o pagamento de juros e a amortização de dívidas, tem aumentado, regularmente, mais do que a economia. Descontada a inflação, cresceram 8% em 2004 e 10% no ano passado. No primeiro bimestre deste ano, foram 10% maiores que em janeiro e fevereiro de 2005. Até a modesta meta fiscal, um superávit primário equivalente a 4,25% do PIB, pode estar ameaçada. Para alcançá-la será preciso um esforço extra, segundo avaliação de técnicos do Ministério da Fazenda noticiada na última semana pelo Estado.

Não houve arrocho de fato nos últimos anos nem está havendo, neste momento. "Se o Partido dos Trabalhadores entender que a troca do ministro da Fazenda será a guinada para o aumento da despesa e forçar o governo a optar pelo caminho da gastança, o País estará sendo levado a cometer um erro gravíssimo", escreveu o economista Fábio Giambiagi, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, no jornal Valor.

Atingir o superávit primário de 4,25% é um "compromisso sagrado", disse ontem o novo ministro da Fazenda, Guido Mantega. Ele ainda terá de mostrar na prática a força dessa convicção. Todos os temores, por enquanto, são justificados.