Título: Palocci tentou utilizar Abin em operação contra caseiro
Autor: Tânia Monteiro e Vannildo Mendes
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/04/2006, Nacional, p. A4

O ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci tentou mobilizar todo o aparato do governo com o objetivo de desmoralizar o caseiro Francenildo dos Santos Costa, o Nildo, que em entrevista ao Estado o desmentira, acusando-o de ter freqüentado mansão alugada em Brasília por lobistas da chamada república de Ribeirão Preto. Nessa ofensiva, da qual tomaram conhecimento os principais auxiliares do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Palocci queria até mesmo que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) vasculhasse a vida do caseiro.

O primeiro movimento de Palocci para reagir às denúncias do caseiro - publicadas inicialmente no dia 14, uma terça-feira - foi determinar à Caixa Econômica Federal que violasse a conta bancária mantida por Nildo na instituição. Esse fato foi revelado à Polícia Federal pelo ex-presidente da Caixa Jorge Mattoso, que consumou a violação no dia 16. Em seguida, já de posse dos extratos do caseiro, Palocci orientou o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), órgão vinculado ao Ministério da Fazenda, a sugerir à PF a abertura de uma investigação sobre Nildo.

O objetivo era dar um ar de legalidade aos dados obtidos de forma irregular e o Coaf seguiu a orientação de Palocci, acionando a PF no dia 17. No mesmo dia, os dados bancários de Nildo vieram a público, por meio de uma nota divulgada no site da revista Época.

Na semana seguinte, diante da repercussão negativa da violação da conta do caseiro, o ex-ministro procurou o chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Jorge Armando Félix, a quem a Abin está subordinada. O GSI é responsável por passar informações ao presidente Lula.

Palocci pediu que a área de inteligência do governo descobrisse quem estava tentando "prejudicá-lo", supostamente incentivando o caseiro a fazer as denúncias. A proposta foi rejeitada, sob o argumento de que os agentes de inteligência investigam questões de interesse do Estado, não de pessoas.

Palocci insistiu que era preciso revirar a vida do caseiro e de outras pessoas que estivessem envolvidas na operação para "desmoralizá-lo". Saiu da conversa com a negativa do general, fato que irritou profundamente o ex-ministro, que chegou a se queixar a interlocutores. De acordo com Palocci, os servidores que se negavam a ajudá-lo não entendiam que na verdade seus inimigos buscavam "sangrar o governo", numa disputa marcada pelo interesse eleitoral.

A Polícia Federal investiga a informação de que Palocci teria recomendado ao secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Murilo Portugal, que reunisse o Coaf e a Receita Federal numa ofensiva contra o caseiro. Portugal teria se negado a cumprir a determinação e ameaçado pedir demissão no ato. A idéia foi esquecida. A PF também apura se os extratos foram passados à Época pelo assessor de imprensa de Palocci, o jornalista Marcelo Netto.

A avaliação de que se deveria investigar quem estava "orquestrando" iniciativas contra o governo Lula era compartilhada por outros integrantes do Planalto. Palocci transformou num bunker sua sala no terceiro andar do palácio, a poucos passos do gabinete de Lula. O ex-ministro era o único que tinha acesso livre à sala presidencial, sem precisar passar pelos ajudantes-de-ordens e secretárias que costumam dificultar a abordagem.

Passaram-se dez dias entre a divulgação dos dados bancários do caseiro e a demissão de Palocci, anunciada no dia 27. Da segunda-feira, dia 20, até a sexta-feira daquela semana, servidores graduados do Planalto e o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, acompanharam de perto a movimentação de Palocci e se convenceram de que sua saída era a única forma de evitar que Lula fosse atingido pela crise provocada pela violação da conta do caseiro.

Houve a tentativa de achar um abnegado que se dispusesse a assumir a responsabilidade pela violação. A idéia era que um funcionário subalterno da Caixa "matasse no peito", ficando com todo o encargo pela quebra ilegal do sigilo bancário e poupando os escalões superiores.

De acordo com a revista Veja, chegou a se discutir, numa reunião realizada na casa do ex-ministro, a hipótese de se oferecer R$ 1 milhão para quem encarasse a tarefa, mas não se encontrou ninguém inclinado a fazer isso. Do encontro na residência de Palocci, teriam participado, segundo a revista, Mattoso e o advogado Arnaldo Malheiros.

As primeiras suspeitas contra o caseiro foram levantadas a partir dos comentários do jardineiro de uma casa vizinha à mansão da república de Ribeirão. Ele sabia que Nildo recebera um bom dinheiro e pretendia comprar um lote. Por meio de jornalistas, a informação chegou a parlamentares petistas, que avisaram o Planalto.

Antes mesmo da divulgação dos dados da conta do caseiro, o senador Tião Viana (PT-AC) e o chefe de gabinete de Lula, Gilberto Carvalho, difundiam a expectativa de que o caseiro Nildo seria desqualificado por uma história envolvendo dinheiro. Só não sabiam que o caseiro tinha uma explicação: recebera depósitos de um empresário, que seria seu pai. O empresário confirmou a história.