Título: Sem perder a ternura
Autor: Celso Ming
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/03/2006, Economia & Negócios, p. B2

Os dirigentes do PT não gostam da política econômica do governo Lula e querem vê-la submetida a mudanças radicais. Nunca esconderam isso. Assim ficou claro em tantas entrevistas, em cada resolução, em cada nota oficial do Partido.

Mas isso não é tudo. Depois de planejarem novas descargas de artilharia, neste último fim de semana os membros do Diretório Nacional do PT entenderam que devessem recolher as metralhadoras, por uma razão: é preciso proteger o ministro da Fazenda Antonio Palocci dos ataques da oposição.

Isso parece ter definido mais do que simples precedente. Daqui até o fim do ano, o PT não poderá mais contestar a política econômica do governo Lula, como tantos líderes petistas pretendiam, porque, em assim agindo, poderia prejudicar a sobrevivência do atual ministro, ou o apoio político ao ministro que o viesse a suceder, ou a campanha eleitoral do presidente Lula, ou, ainda, a solidez do governo federal, do qual é importante pilar de sustentação.

Como o principal candidato da oposição à Presidência da República, Geraldo Alckmin, deverá optar por uma política econômica igualmente ortodoxa, seria até natural que o PT aproveitasse o posicionamento do adversário para fincar estacas na construção de outro edifício econômico, diferente de tudo o que está aí.

Mas, se assim o fizesse, o PT tiraria sustentação à candidatura Lula. Não lhe resta saída senão fazer ainda mais do que fez neste final de semana. Além de deixar de combater, o PT terá de defender essa "política neoliberal", mesmo se não puder contar com o comando de Palocci.

Isto posto, cabe reavaliar a situação do ministro da Fazenda e eventuais riscos que esteja correndo a atual orientação, caso sua permanência no governo ficasse insustentável.

Palocci não é apenas o gerente do governo Lula. Durante estes primeiros três anos e pico de administração, foi o ex-trotskista que conseguiu dar consistência e coerência a um programa com que o PT não concordava nem tinha a menor vontade de implantar. Nos piores momentos, e sob riscos, Palocci defendeu a responsabilidade fiscal e a ortodoxia monetária dos ataques dos companheiros amotinados de partido, com a firmeza de sempre, sin perder la ternura jamás.

O PT teve de engolir o conteúdo dessa taça, graças ao melado que o ministro conseguiu misturar à porção de vinagre.

Palocci foi mais do que o arquiteto do choque de confiança, antes e durante o governo Lula. Foi ele quem forneceu a receita política do ajuste e quem conseguiu virar o jogo adverso dentro do principal partido que engloba a base de governo.

Durante todos esses meses de crise do mensalão, a oposição ajudou a blindar Palocci porque tinha interesse na preservação da linha econômica que talvez corresse perigo com eventual troca de guarda no Ministério da Fazenda. Depois destes dez meses de crise, verificou-se que, mais do que o ministro Palocci, a própria política econômica ficou suficientemente blindada, pelo menos até o final deste ano.

Como restam só nove meses de mandato, com Palocci ou sem Palocci, uma mudança radical da política econômica ficou improvável. Esta pode ser a principal razão pela qual o ministro se tornou repentinamente vulnerável a denúncias que até agora conseguira repelir.

O problema é que, na defesa de sua política dentro do Partido, Lula já não conta mais com generais experientes e hábeis como Palocci, com capacidade de impor respeito à tropa. Pesa contra ele a lei que Hemingway enunciou em 1937 no romance Ter e não Ter: "Um homem sozinho não tem chance." E Lula, embora cheio de votos, está cada vez mais só.