Título: Radiografia da empregada doméstica
Autor: José Pastore
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/01/2006, Economia & Negócios, p. B2

Trabalhando duro como doméstica, a empregada conseguiu comprar um sobrado de mais de R$ 300 mil. Também, pudera: ela ganha R$ 3.500 por mês. Com essa renda, ela pôde fazer um bom seguro de saúde para si e seus familiares e está pagando os estudos de seu filho numa excelente faculdade de Medicina. Uma vez por ano, ela tem usufruído 15 dias de férias no exterior.

Essa é a história real de Maria da Graça Sales, uma professora primária, formada em Minas Gerais, que, em 1986, emigrou para os Estados Unidos, onde passou a trabalhar como faxineira.

As empregadas brasileiras que trabalham na América têm um nível de instrução bastante alto e, por isso, são as preferidas pelos proprietários de residências e hotéis. Muitas trabalham em equipe e conseguem limpar uma casa de 400 metros quadrados em apenas duas horas.

São pessoas que possuem vínculo previdenciário (social security) e desfrutam das proteções sociais que são garantidas aos trabalhadores americanos. O trabalho é puxado, sem dúvida, mas, em quatro ou cinco anos, elas adquirem uma invejável independência financeira (Joel Millman, Imigrantes brasileiros criam lucrativo negócio de faxinas em Massachusetts, Estado, 16/2).

O assunto foi bem estudado por uma antropóloga brasileira que acompanhou a trajetória das nossas patrícias nos Estados Unidos. Trabalhar como doméstica foi a fórmula que as brasileiras encontraram para entrar e se estabelecer legalmente naquele país (Soraya Resende Fleischer, Passando a América a Limpo, Editora Annablume, São Paulo, 2002).

Do lado de cá, a realidade é bem diferente. Dos 6,5 milhões de empregadas domésticas que trabalham no Brasil, apenas 1,6 milhão têm registro em carteira. Ou seja, 75% não dispõem de nenhuma proteção. Nas Regiões Norte e Nordeste, essa proporção chega perto dos 90%.

A renda dessas profissionais é sabidamente baixa. Cerca de 70% das empregadas domésticas ganham até um salário mínimo por mês - R$ 300 -, bem diferente dos R$ 3.500 auferidos nos Estados Unidos. Ademais, cerca de 25% ganham menos de um salário mínimo (dados da Pnad 2004).

É verdade que 80% das empregadas domésticas do Brasil residem no domicílio do empregador, onde se alimentam, descansam e cuidam da higiene pessoal. Mas, ainda assim, os salários monetários são reduzidos, em especial os das que trabalham sem registro em carteira. Cerca de 80% das empregadas que estão nessas condições ganham menos de um salário mínimo. Na Região Norte, isso chega a 90% e, no Nordeste, a 95%!

Na informalidade, a empregada que adoece não dispõe de licença remunerada para tratar da saúde. Na gravidez, não tem licença-maternidade. Na velhice, não se pode aposentar. E, na morte, não deixa nada para seus descendentes. Uma selvageria.

Ou seja, se há uma categoria que merece estímulos para a formalização do trabalho, é a das empregadas domésticas. Nesse sentido, foi louvável a iniciativa do governo ao editar a Medida Provisória 284, que permite deduzir do Imposto de Renda o valor que o empregador recolhe para o INSS do salário da sua empregada doméstica (12%). A MP teve a virtude de não mexer na receita da Previdência Social, que já está muito combalida.

Mas, infelizmente, a fórmula adotada é de baixa potência. A dedução refere-se ao imposto devido, sabendo-se que apenas 6% da população economicamente ativa (PEA) tem imposto a pagar e, mesmo assim, só 38% utiliza o formulário completo do Imposto de Renda, que permite o referido abatimento. Esses 38% de 6% da PEA se transformam em 2,3%. São cerca de 1,6 milhão de brasileiros que podem fazer a dedução e formalizar suas empregadas domésticas.

Ocorre que, na maioria dos casos, essas pessoas já registram suas empregadas domésticas. Nesse segmento, não há o que formalizar, porque a relação de emprego foi formalizada. Além disso, a medida restringe-se a apenas uma empregada, com teto de um salário mínimo. Isso significa que os 2,3% (que têm empregadas registradas) poderão abater do imposto devido cerca de R$ 378 no ano de 2006.

Embora a MP 284 seja um bom tema para campanhas eleitorais, trata-se de um estímulo pequeno e fora de foco. Os que mais precisam formalizar foram excluídos, porque têm renda muito baixa.

A estimulação da formalização das empregadas domésticas será pífia diante dos 48 milhões de trabalhadores que trabalham informalmente no Brasil. O que o País precisa, urgentemente, é de uma reforma trabalhista ampla, que transforme os desestímulos em estímulos, para que a maioria dos empregadores faça contratações legais.