Título: Impeachment de Bush já tem coro
Autor: Sarah Baxter
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/03/2006, Internacional, p. A14

O movimento a favor do impeachment do presidente George W. Bush por causa da guerra ao terrorismo começou com uns poucos adesivos malfeitos colados no pára-choque traseiro de escangalhados velhos Volvos e slogans como "Bush mentiu, pessoas morreram" divulgados em sites da extrema esquerda. Mas como aumentaram as esperanças dos democratas de conquistar o controle do Congresso em novembro, os sonhos do impeachment de Bush não estão mais confinados à política.

Uma pesquisa de opinião realizada na semana passada concluiu que 50% preferem que os democratas ganhem o controle do Congresso e apenas 37%, os republicanos. Se os rivais de Bush se encontrarem numa posição de poder, a tentação de humilhá-lo tende a ser irresistível.

Uma amostra da batalha que virá foi proporcionada na semana passada pelo senador Russ Feingold, uma opção popular para concorrer à presidência em 2008 entre os democratas que são ativistas contra a guerra. Ele propôs uma moção de censura contra Bush por autorizar a Agência Nacional de Segurança a grampear americanos suspeitos de ter ligações com o terrorismo sem um mandado judicial.

Feingold advertiu o partido que deve parar de "encolher-se" perante Bush sobre questões de segurança nacional. "Se existe algum democrata que não consegue dizer que o presidente não tem o direito de fazer suas próprias leis, não sei se esse democrata é o candidato certo (à presidência)", disse ele.

Muitos de seus colegas de Senado se esquivaram, temerosos de se indisporem com os ativistas do partido ou os eleitores indecisos. A questão do grampo é um dos poucos temas explosivos sobre os quais Bush conta com o apoio da população. Um partidário de Hillary Clinton lamentou-se: "É difícil derrubar o argumento 'Se a Al-Qaeda estiver na linha, queremos ouvir'."

Hillary Clinton, a preferida do partido para disputar a eleição, escondeu-se na semana passado dos jornalistas que queriam sua opinião sobre a moção de censura quando estava participando de um almoço com os democratas no Senado. A maioria dos democratas prefere manter em aberto a questão do impeachment em vez de se pronunciar a respeito.

Os republicanos praticamente estão implorando para que eles "tragam o assunto à baila" na esperança de que a fala deles imponha sobre seus oponentes a pecha de esquerdistas malucos que não se importam com a segurança nacional. "Isto é um grande presente", disse Rush Limbaugh, radialista de direita.

Para os conservadores desmotivados, a questão é uma chamada às armas para as eleições de meio de mandato no Congresso. "O impeachment vai abrir caminho se houver mudanças no controle da Câmara neste momento", advertiu Paul Weyrich, um coordenador de campanha dos conservadores, num e-mail a seus apoiadores.

"Com o impeachment no horizonte, talvez, apenas talvez, os conservadores não fiquem em casa", escreveu Weyrich. Se são poucos os líderes democratas que estão pedindo publicamente que Bush seja levado ao banco dos réus, muitos são os que flertam com a idéia. Um deles é Al Gore, o candidato à presidência derrotado em 2000, que cada vez mais se manifesta como um adversário para valer da guerra. Recentemente, Gore disse que os grampos "ilegais" de Bush são parte de um padrão mais amplo de "indiferença" para com a Constituição, o que pode muito bem ser um delito passível de levar à impugnação do presidente.

Alguém ouviu John Kerry, o indicado pelos democratas para concorrer à presidência em 2004, falando num bar sobre como seria gratificante promover o impeachment de Bush se o Congresso fosse dominado pelos democratas. Ele estava rindo, quando sua porta-voz apressou-se a explicar: "Brincadeiras sobre impeachment em Washington são tão antigas quanto Donald Rumsfeld."

Depois, ela falou sério: "Como é possível que os mesmos republicanos que tentaram impugnar um presidente porque ele teria enganado o país sobre um caso amoroso finjam agora que não se importam se o governo intencionalmente enganou o país para entrar numa guerra?" A insistência na impugnação é em parte uma revanche pela época de Bill Clinton, quando os republicanos arrastaram o presidente por um lamaçal por causa de sua aventura com a estagiária Monica Lewinsky.

Outros estão convencidos de que existe uma boa justificativa contra Bush no memorando do governo britânico de 2002 - revelado pelo The Sunday Times - no qual Richard Dearlove, então diretor do M16 (serviço secreto externo britânico), disse que "as informações e os fatos foram arranjados em torno da política" de derrubar Saddam Hussein. John Convers, democrata que participou dos trâmites de Watergate contra Richard Nixon, em 1974, exigiu a formação de uma comissão de inquérito para avaliar as bases para um impeachment.

A AfterDowningStreet.org., entidade baseada na Web, encomendou uma pesquisa que mostrou que 50% dos americanos gostariam que o Congresso considerasse o impeachment de Bush se for concluído que ele mentiu sobre a justificativa para a guerra, para 44% dos que não foram a favor do impeachment. Nada disso teria grande impacto não fosse pelos números difíceis de Bush nas pesquisas e graves dúvidas sobre sua competência.

Com a votação do Senado, na semana passada, para elevar a dívida nacional para US$ 9 trilhões, não são apenas os democratas que estão duvidando da capacidade de Bush de governar. Os republicanos, temendo perder as eleições de meio de mandato, em novembro, vêm pedindo uma reformulação do gabinete com a substituição de algumas figuras desgastadas. Cada vez mais, o Iraque é considerado um motivo para perda de votos pelo o partido. Na semana passada, pesquisa de opinião conduzida pelo Wall Street Journal/NBC News mostrou índices de aprovação do presidente de apenas 37%.

Cinqüenta por cento dos eleitores, a 28%, disseram acreditar que a guerra enfraqueceu o prestígio dos EUA no mundo. Para 44% (a 18%), a guerra aumentou a ameaça vinda do Irã e para 50% (a 35%), disseram que votariam num candidato que fosse a favor da retirada dos soldados do Iraque dentro de um ano.

Uma compilação de pesquisas feitas por Estado trazem ainda mais más notícias para Bush: nos grotões republicanos, o presidente é quase tão impopular quanto em âmbito nacional. No Texas, seu quintal, somente 41% aprovam sua atuação. "O povo do Texas gosta de George W. Bush e ele foi um governador popular", disse Wayne Slater, correspondente de política do Dallas Morning News. "Mas mesmo seus maiores defensores estão perdendo a confiança nele. Eles dizem que não entendem o que Bush está fazendo."

Muitos conservadores estão intrigados sobre o que Karen Hughes - a principal assessora de Bush em duas eleições vitoriosas e sua conterrânea - está fazendo em sua viagem pelo Oriente Médio como diplomata de boa vontade, numa missão inútil para convencer os muçulmanos de que os EUA têm em mente seus melhores interesses. Isso num momento em que ela precisa apoiar o presidente na esfera doméstica.

A única pessoa mais impopular que Bush neste momento é Dick Cheney, o vice-presidente que, numa pesquisa recente, atingiu o fundo do poço em matéria de popularidade, com apenas 18%. Num jantar em Washington na semana passada, Bush brincou: "Quando Dick soube que meu índice de aprovação era de 38%, ele perguntou: 'Qual é o seu segredo?'"

Consultores experientes dos democratas estão advertindo os ativistas do partido de que os eleitores raramente se interessam por uma política revanchista. Nas eleições legislativas de 1998, as tentativas freqüentemente mal intencionadas dos republicanos de impugnar Clinton lhes custaram cadeiras que eles esperavam ganhar.

Joe Lockhart, porta-voz da Casa Branca de Clinton durante o escândalo Monica Lewinsky, disse: "Se vocês procuram uma mensagem para levar à Câmara e ao Senado ou à Casa Branca, há melhores formas de agir." Após a humilhante experiência de seu marido, Hillary Clinton quase certamente sente da mesma forma. O sinal mais revelador da determinação dos democratas de confundir Bush é que ela prefere esconder do que dizer isso.