Título: O que teme o ministro?
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Fonte: O Estado de São Paulo, 05/04/2006, Notas e Informações, p. A3

Se não por respeito aos "valores republicanos", como se tornou moda dizer, o ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos pelo menos faria um favor a si mesmo e ao presidente Lula se esquecesse que disse não ter "motivo nenhum para ser ouvido" pelo Senado ou pela Polícia Federal (PF) sobre o escândalo da Caixa. Primeiro, porque motivos existem. Segundo, porque a sua recusa reproduz um padrão de comportamento que até aqui só serviu para desgastar o governo perante os setores da sociedade que ainda não desistiram de cobrar ética do presidente Lula e da sua equipe.

O então ministro Antonio Palocci, para começar, relutou uma eternidade até ser persuadido a falar à CPI dos Bingos, cujos membros, por sinal, o trataram com máxima deferência. Ele caiu em desgraça não por ter ido à comissão, nem mesmo por ter dito ali que nunca freqüentara a casa montada pela sua pandilha de Ribeirão Preto, mas porque jogou o peso do seu poder pessoal e da máquina do Estado na calamitosa - e criminosa - tentativa de desmoralizar o caseiro que o desmentira. E nada que o Planalto e os governistas no Congresso fizeram antes e depois para barrar as investigações sobre o mensalão impediu que a lambança fosse comprovada.

Dezoito vezes o petismo foi à Justiça para impedir a oitiva de convocados pelas CPIs ou para que pudessem ignorar perguntas inconvenientes. Nem por isso o governo saiu desse jogo pesado melhor do que nele entrou. De que adiantou, por exemplo, amordaçar o caseiro Francenildo com uma liminar que interrompeu o seu depoimento nos Bingos? Os 55 minutos de que dispôs antes de ter cassada a palavra foram suficientes para ele reafirmar o que dissera ao Estado e depois a outros jornais, com altas doses de credibilidade. O recurso à mordaça foi a primeira demonstração pública da determinação do governo de - vá lá o eufemismo - neutralizar o caseiro que falou o que não devia.

Ao mesmo tempo, logo se viria saber, violavam o seu sigilo bancário, vazavam os seus extratos para a imprensa e tratavam de transformá-lo de acusador em suspeito, a fim de justificar uma investigação da Polícia Federal contra ele. É onde - queira ou não - entra o ministro Thomaz Bastos. Assim que os extratos foram divulgados e se desconfiou que Palocci tinha parte com a torpeza, o titular da Justiça não hesitou em dizer que o seu colega era vítima de um "ataque especulativo", que a Polícia Federal não se prestaria "a esse tipo de exploração política", como qualificou a eventual abertura de um inquérito para apurar o caso, e que Palocci "é merecedor de toda a confiança do presidente Lula, do governo e da sociedade, e não será afastado do cargo".

Aparentemente, ele ainda não tinha sido informado de que, na véspera, o merecedor de tantas loas mandara o presidente da Caixa Econômica, Jorge Mattoso, arrombar a conta poupança de Francenildo. Talvez ainda não soubesse tampouco que um dos seus mais importantes colaboradores, o secretário de Direito Econômico Daniel Goldberg estava na casa de Palocci, tarde da noite do mesmo dia, a chamado dele, quando Mattoso apareceu com os extratos do caseiro. O ministro queria que o secretário checasse se a Polícia Federal poderia investigar Francenildo. Queria também saber se seria possível transferir para a PF os inquéritos abertos em São Paulo sobre o seu passado na prefeitura de Ribeirão Preto. Aqui o nevoeiro começa a se adensar.

Goldberg diz que não viu os extratos, os quais teriam sido entregues ao ministro em outra dependência da casa. Mas confessou ter visto depois o seu ar de felicidade. Nesse estado, não teria Palocci comentado consigo a razão de tanta euforia? Bastos, por sua vez, afirma que Goldberg e o chefe de gabinete da Justiça, Cláudio Alencar, "receberam um pedido que não quiseram atender". Não quiseram? Ambos contaram à Polícia Federal que explicaram a Palocci que deveria pedir ao Supremo Tribunal Federal a transferência dos inquéritos de Ribeirão e que a Polícia Federal não poderia iniciar um inquérito contra Francenildo com base em boatos. Noticiou-se, porém, que Alencar chegou a sondar um delegado sobre um possível inquérito contra o caseiro (aberto, afinal, graças aos bons ofícios do Coaf).

O ponto a que se aferra Bastos para não depor é que "os fatos estão praticamente esclarecidos". É a linha oficial. Se estão, que teme o ministro da Justiça? Ele sabe que a reiteração da verdade mal não fará.