Título: A imprevidência orçamentária
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/03/2006, Notas e Informações, p. A3

O Orçamento da União para 2006, que o Congresso deverá aprovar, ao que tudo indica, esta semana - com um atraso de três meses -, será, mais uma vez, um exercício de ficção. Há quase duas décadas, o Executivo e o Legislativo dedicam-se à farsa anual de elaborar e aprovar uma Lei de Meios que atende à exigência constitucional, mas pouca relação tem com a realidade. O Executivo envia ao Congresso uma minuciosa relação das despesas que fará durante o ano fiscal - gastos sempre crescentes em termos reais, em relação ao ano anterior -, cabendo ao Legislativo "aperfeiçoar" o projeto, aumentando as projeções de despesas e, em contrapartida, inflando artificialmente a previsão de receitas. Este ano, a criatividade dos parlamentares está orçada na bagatela de R$ 15,6 bilhões - diferença entre o que a Receita Federal espera arrecadar e o Congresso imagina que será recolhido.

Tradicionalmente, o Congresso infla a receita para acomodar as emendas de parlamentares e de bancadas - pleitos incluídos no Orçamento para atender a reivindicações locais ou reafirmar a relação de clientelismo com o eleitorado. Desta vez, o inchaço bateu recordes porque o Congresso, além das prebendas de sempre, contabilizou compensações para novas despesas e renúncias fiscais decretadas pelo governo após o envio do projeto do Orçamento. Ou seja, aos R$ 7,9 bilhões destinados a atender sua clientela, os congressistas acrescentaram R$ 7,7 bilhões para cobrir os gastos extras do Executivo.

A elaboração orçamentária não tem regras rígidas - e por isso o Executivo e o Legislativo se permitem fantasias nas colunas de receita e despesas. Mas a execução orçamentária está regulada por leis, algumas bastante severas, como a Lei de Responsabilidade Fiscal e a lei penal que a complementa. Daí também ser habitual, logo após a aprovação do Orçamento, o governo decretar o contingenciamento das despesas, para compatibilizar o dinheiro que entra com o dinheiro que sai. Este ano, em vista do monumental inchaço da previsão de receitas, estima-se que o governo contingenciará entre R$ 10 bilhões e R$ 15 bilhões. Se a totalidade da receita entrasse nos cofres do governo no dia 1º de janeiro, o contingenciamento não produziria efeitos além dos contábeis. Como a arrecadação se faz ao longo do ano, o contingenciamento tem efeitos nocivos sobre a gestão pública, quanto mais não fosse, porque o administrador fica impossibilitado de fazer programas eficientes de desembolso. Com isso, obras atrasam e custam mais caro, pois empreiteiros e fornecedores cobram os custos financeiros da imprevidência orçamentária.

Os contribuintes pagam a conta. Este ano, o governo fez provisões para um salário mínimo de R$ 321, mas decretou um piso de R$ 350, por razões eleitorais. Isso representará uma despesa extra de R$ 4 bilhões. Também pressionarão as contas públicas as renúncias representadas pela correção da tabela do Imposto de Renda (R$ 2,5 bilhões), a isenção do IPI sobre material de construção (R$ 1,1 bilhão) e o corte do Imposto de Renda nos investimentos estrangeiros em títulos públicos (R$ 100 milhões). Essas últimas medidas, destinadas a aliviar o contribuinte e a incentivar a atividade produtiva e os investimentos, para produzir salutares conseqüências, deveriam ser acompanhadas de cortes de despesas que compensassem o montante da renúncia fiscal.

Mas não é isso o que faz o governo. Prefere contingenciar o orçamento, cortando ou adiando investimentos, principalmente em infra-estrutura, e deixando intactas as despesas de custeio. Levantamento feito pela Fiesp mostra que o setor público federal está gastando quatro vezes mais com o custeio do que com investimentos, e essa relação está em franco processo de ampliação em detrimento dos gastos produtivos. Em 2005, o governo gastou R$ 63,9 bilhões com custeio (exceto a folha de pessoal), contra R$ 15,9 bilhões em investimentos. Em quatro anos, o custeio teve um aumento real de 20,5%. Só no ano passado, em relação a 2004, o aumento foi de 5,2%.

Ou seja, as atividades-meio do governo crescem sem controle, reduzindo a parcela destinada às atividades-fim. Para compensar o desequilíbrio, o governo aumenta a carga tributária e agrava as condições adversas ao crescimento da economia.