Título: Uma operação torpe
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/03/2006, Notas e Informações, p. A3

Segundo uma versão divulgada no fim da semana, ao ser informado, no começo da noite de sexta-feira, de que um blog da revista Época acabava de publicar o extrato bancário do caseiro Francenildo Santos Costa, o presidente Lula fez ar de quem já sabia. Segundo outra versão, divulgada ontem, na quinta à noite o extrato já circulava entre os assessores do ministro Antonio Palocci na Fazenda. Francenildo, que afirmou originalmente ao Estado ter visto Palocci "umas 10 ou 20 vezes" na mansão-sede da República de Ribeirão Preto em Brasília, disse domingo que, no dia e hora que constam do extrato - 16 de março, 20h58m21 -, ele estava na Polícia Federal para pedir proteção (da qual abriria mão 10 horas depois).

A PF admitiu ao jornal O Globo que pediu o cartão bancário de Francenildo, além do seu RG e CPF, para copiá-los, o que teria demorado cerca de 3 minutos. Mas, de acordo com Nildo, como é chamado, depois de lhe pedirem esses documentos, "na última hora" um policial lhe perguntou se tinha conta em banco. "Aí pediu meu cartão" (de correntista da Caixa Econômica Federal). Pelos seus cálculos, esperou "10 ou 20 minutos" até tirarem as cópias. Nada disso é insignificante quando se está em face da mais torpe operação já engendrada nas alturas - ou nos porões - do governo do PT.

Cometendo um crime - quebrar sem ordem judicial o sigilo bancário de alguém que de nada é acusado - o poder petista tentou desqualificar o trabalhador que ousou declarar a este jornal, depois a outros e, enquanto pôde, antes de ser amordaçado por uma liminar, à CPI dos Bingos, que Palocci mentiu quando negou ter estado no casarão onde a sua corriola tramava negociatas e promovia farras remuneradas. A sórdida idéia consistia em usar a imprensa para difundir a insinuação, com base nos depósitos constantes no extrato, de que Nildo fora comprado para difamar o ministro a quem Lula deve "muito, mas muito", conforme disse na fatídica sexta-feira.

Mas à ignomínia somou-se, como era de se prever, a incompetência. Pois, assim que apareceu na internet o produto da violação do segredo bancário do ex-empregado daquela casa de tolerância sui generis, o seu advogado convocou uma entrevista coletiva em que Nildo deu explicações documentadas sobre a origem do dinheiro que recebera (e que não somava R$ 38,8 mil, como se noticiou, mas cerca de R$ 25 mil). Ao preço de ter a intimidade exposta para provar que não estava a soldo da oposição para acusar Palocci e os seus apaniguados, Nildo devassou a própria crônica familiar, banal e pungente.

Nascido de uma união ocasional, o pai nunca o reconheceu e, no fim do ano passado, para dissuadi-lo de exigir a admissão da paternidade, prometeu fazer alguns depósitos em sua conta, a partir de janeiro. Localizada pelo Estado, a mãe confirmou a história e disse temer pela vida de Nildo. Vale por um tratado sobre o Brasil profundo o seu apelo: "Peço ao presidente que não faça nada com o meu filho."

Evidentemente, o ex-caseiro da República de Ribeirão Preto não corre risco de agressão física. Mas no mínimo tão verossímeis como as revelações de Francenildo são as evidências de que gente da administração Lula urdiu a sua desmoralização para evitar que o desfiguramento da imagem de Palocci na esfera ética reponha em cena a questão da corrupção no PT e no governo, de cujos efeitos o presidente parece recuperado, a julgar pelas recentes pesquisas eleitorais. Aliás, a baixeza contra o "simples caseiro", como Lula teria se referido a ele, esquecido talvez de suas próprias origens, é tudo menos um caso isolado.

No vale-tudo pela reeleição, Lula também mandou acionar a mais alta corte judicial para impedir que a CPI dos Bingos ouvisse tudo que Nildo teria a dizer. O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, fez a sua parte ao não permitir que a Polícia Federal investigue a história da sede da República de Ribeirão a partir das declarações de Nildo. De seu lado, o presidente do Superior Tribunal de Justiça, Edson Vidigal, apadrinhado do senador José Sarney, e candidato a governador do Maranhão, concedeu uma liminar para tornar ilegais as prévias de domingo no PMDB. Sarney é um dos generais de Lula na batalha contra a candidatura própria do partido ao Planalto. E o PT, enquadrado, cerrou fileiras em torno do ministro da Fazenda que até a semana passada execrava - por seus acertos.