Título: Se o PT fosse oposição
Autor: Luiz Weis
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/03/2006, Espaço Aberto, p. A2

Proposta de "experimento mental", à maneira dos físicos do começo do século 20. O primeiro passo é uma breve viagem no tempo. Percorrendo seis anos e quatro meses na pista que leva ao passado, chega-se a julho de 1998. O Brasil está para privatizar as teles.

O experimento tem início.

O ministro da Fazenda, Pedro Malan - de quem o presidente Fernando Henrique diz que lhe deve "muito, mas muito" e que ele "ganhou respeitabilidade no mundo inteiro pela sobriedade e seriedade" - é atingido por uma bomba.

Malan teria aparecido com certa freqüência num casarão no Lago Sul de Brasília, alugado por um de seus velhos amigos, colaboradores e parceiros de academia, mas não para servir de residência.

Soube-se, por sinal, que o mais notório deles não apenas rompera com o ministro, mas o acusou de receber propina mensal de uma empresa em que o denunciante era o número 2 e que prestava serviços ao Banco Central quando Malan era o seu presidente.

O grupo se reunia no casarão para mexer com dinheiro e tramar para que o leilão do sistema Eletrobrás, no dia 29 daquele mês, saísse a gosto dos licitantes certos. Reunia-se também para fazer festas com moças fornecidas por uma conhecida madame da capital.

Chamado a se explicar ao Congresso, o ministro jurou por tudo o que era sagrado que desde a sua ida para a Fazenda se afastou do grupo - e jamais pôs os pés na tal mansão que a imprensa vinha chamando "sede da República da PUC em Brasília".

À falta de provas, fica tudo por isso mesmo. Eis que um motorista que trabalhara para a patota revela tê-lo visto na sede "umas duas ou três vezes". Malan torna a desmentir. É a palavra de um contra a palavra de outro.

Passa uma semana e um jornal de oposição - embora considere o titular da Fazenda "um ministro como poucos o Brasil teve" - divulga uma entrevista com Francenildo Santos Costa, piauiense de 24 anos e ex-caseiro da propriedade de má fama.

O jornal deu apenas os "principais trechos" da entrevista. Mas bastou para levar o ministro às cordas. A começar da frase: "Do lado dele, eu não sou nada, mas ele está mentindo."

Nildo afirmou que o viu na casa "umas 10 ou 20 vezes". Contou que sempre mandava avisar quando vinha e pedia para apagarem as luzes da fachada. Contou também que quase sempre chegava sozinho, guiando um carro prateado com vidros escurecidos.

Depois de outra entrevista, dessa vez à imprensa em geral, ele foi chamado a depor no Congresso - inquirição suspensa aos 55 minutos por uma liminar impetrada a mando de Fernando Henrique.

Das palavras de Nildo não ficou claro se Malan usava a mansão só para se divertir. O máximo a que ele chegou no outro departamento foi declarar que ele e o motorista entregaram dinheiro ao secretário particular do ministro, no estacionamento da Fazenda.

O experimento mental continua. No dia seguinte ao da frustrada sabatina de Nildo no Congresso, uma revista semanal publica no seu site um extrato da sua conta-poupança numa agência da Caixa Econômica Federal.

A revista não diz como "teve acesso" ao documento. Excluído, por absurdo, que os autores da matéria tenham achado o extrato debaixo de uma ponte, como se disse das fitas do grampo no BNDES à época das privatizações - no mundo real, não do experimento -, chega-se ao seguinte: alguém mandou violar o sigilo bancário do ex-caseiro.

O crime serviu para plantar na imprensa presumivelmente ávida por carne fresca - como certos jornalistas falam dos furos sensacionais - a sugestão de que o ex-caseiro disse o que disse porque foi subornado por inimigos do governo.

Ou seja, no experimento mental em curso, pelo PT.

Dispostos a tudo para impedir a reeleição do presidente, os petistas faziam política "com o esôfago", disse ele. Decerto quis dizer fígado. A troca de vísceras na metáfora surpreendeu. Afinal, Fernando Henrique conhece os usos do idioma - até para fazer maldades.

Em questão de horas, o advogado de Nildo organiza uma entrevista do seu cliente à imprensa para ele explicar quem e por que depositou na sua conta, em cash, um total de R$ 25 mil entre janeiro e começo de março daquele experimental ano de 1998.

Na entrevista, para provar que não se vendeu ao partido de Luiz Inácio Lula da Silva, o qual se preparava para disputar o Planalto pela terceira vez, o moço é obrigado a revelar que é filho de uma união ocasional de um dono de ônibus de Nazária, no Piauí, a quem só veio a conhecer já adolescente.

No fim do ano anterior, ele procurou o homem para pedir-lhe que finalmente assumisse a sua paternidade. Ele tergiversou, mas prometeu ajudar financeiramente o filho - que, segundo os que os conhecem, é a cara do pai. Essa a origem dos depósitos. Os saques também foram explicados.

Em dado momento da entrevista, Nildo contou que, na antevéspera, quando foi pedir proteção à Polícia Federal, pouco antes das 21 horas o seu cartão bancário foi requisitado por um delegado. O extrato foi tirado nesse dia. Às 20h58m21s.

Diante dos indícios veementes de que o governo tucano não hesitara em devassar a vida íntima de um trabalhador honesto para proteger a vida íntima de um ministro cuja honestidade estava em dúvida, o PT e os movimentos populares mobilizam o Brasil.

Manifestações reúnem centenas de milhares de pessoas. Lula vai às principais. Desde o tempo dos caras-pintadas não se via nada igual. Trabalhando 24 horas por dia na apuração do delito, procuradores federais descobrem que os violadores têm ligações com o setor público.

No Congresso, a maioria governista entrega Malan à própria sorte. Ele renuncia. Desmoralizado, Fernando Henrique anuncia que não disputará a reeleição. Os jornalistas que divulgaram o extrato se demitem.

Fim do experimento.