Título: 'O Brasil não deve desistir da indústria'
Autor: João Caminoto
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/03/2006, Economia & Negócios, p. B9

Especialista dirá a Lula que, para o País crescer, juros devem cair mais e que uma inflação de 15% não é o fim do mundo

Para crescer mais e se tornar capaz de competir nas próximas décadas com as potências emergentes (China e Índia) o Brasil precisa aumentar os investimentos. E, para investir mais, o País necessita reduzir muito as taxas de juros tolerando uma inflação de até 20%, bem superior do que a atual, inferior a 5%. ¿Chegou a hora de se repensar toda a estratégia¿, diz o economista sul-coreano Ha-Joon Chang, diretor-assistente de Estudos sobre Desenvolvimento da Universidade de Cambridge. Essa avaliação ¿ que causará arrepios na equipe econômica mas soará como música para outros membros do governo ¿ será apresentada quarta-feira em Brasília quando Chang participará de um seminário promovido pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. O evento será aberto pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Chang ficou famoso com o livro Chutando a Escada, lançado em 1992. Na obra, ele argumenta que os países desenvolvidos só derrubaram suas barreiras depois de atingirem um alto grau de competitividade e riqueza. Mas hoje exigem a abertura nos setores industriais dos países mais pobres antes de eles reunirem as condições de competir em pé de igualdade. Por isso, ele afirma que o Brasil não deve ceder à pressão dos países ricos para que abra indústria e setor de serviços. Eis os principais trechos da entrevista:

Qual é a principal mensagem que o senhor vai levar ao governo?

É que o Brasil não deve desistir de sua indústria, cedendo às pressões para que se especialize em agricultura. O País, junto com outros países em desenvolvimento, está sendo muito pressionado nas negociações atuais da rodada da Organização Mundial do Comércio (OMC). Mas vou argumentar que o Brasil não pode abrir sua indústria. Antes disso, o País precisa ter uma política industrial melhor, juros menores. É uma grande pena que o Brasil não tenha ido muito bem nos últimos 30 anos. Já foi uma das economias com o crescimento mais rápido do mundo, tem empresas de sucesso como a Petrobrás e Embraer, mas tem sofrido com os juros altos, que dificultam investimentos e o avanço tecnológico. Minha mensagem será a de elevar o crescimento com investimento na indústria.

Qual a estratégia que o País tem que adotar nas negociações?

O Brasil tem tido um papel muito positivo nas negociações da OMC, o País ficou mais determinado com o governo Lula. Até então era só a Índia que defendia os países em desenvolvimento. Mas é necessário garantir mais espaço nos mercados para os países em desenvolvimento. Cada vez mais os ricos afirmam aos mais pobres que têm fracassado com o intervencionismo e protecionismo em suas economias. Os ricos dizem: não vamos permitir que vocês façam isso mais. Mas isso é um problema sério, pois os países em desenvolvimento precisam de tarifas mais altas, mais subsídios. Como mostra o livro Chutando a Escada, os países ricos usaram amplamente do protecionismo e subsídios quando estavam tentando se desenvolver. Só depois de se tornarem suficientemente fortes, passaram a dizer que gostam do mercado livre. O Brasil deve dizer aos países ricos: O que vocês fazem é hipocrisia, quando se trata de setores em que são fortes falam em livre comércio, mas quando se trata de setores nos quais vocês são fracos, como a agricultura, querem proteção.

O presidente Lula afirmou que o Brasil está preparado para fazer concessões se houver contrapartida. O que o Brasil deve oferecer?

É óbvio que os países em desenvolvimento não podem manter o protecionismo para sempre. Mas poderia ser fechado um acordo que estabelecesse que quanto mais você se desenvolver, menor sua proteção. Mas falar que os setores farmacêuticos do Brasil e da Suíça deveriam brigar no mesmo terreno é um absurdo. Sou favorável a uma abertura no longo prazo, mas deve ser planejada segundo a capacidade de competição de cada país.

Como o Brasil pode fortalecer a indústria e o setor tecnológico?

O principal problema é a política macroeconômica. Se a taxa de juros não cair o investimento continuará baixo e sem ele não há como desenvolver a indústria. Com uma taxa real de 10%, 11%, é melhor vender a empresa e pôr o dinheiro para render. Eu mesmo faria isso.

Como baixar os juros mais rápido sem afetar a estabilidade?

Tolerando uma inflação maior. Não há evidência internacional de que haja grande diferença entre o impacto causado por uma inflação abaixo de 10% ou abaixo de 20%. É compreensível que no Brasil exista um receio de que se a inflação atingir os 20%, ela vai saltar para 100%, para 1000%. Mas o País se livrou de quase todos os mecanismos de indexação dos preços e não há mais necessidade de se preocupar da mesma maneira como no passado. A inflação está em torno de 5% e tenho certeza que poderia aceitar mais uns 5%. Não há teoria que mostre que uma inflação de 5% seja melhor do que uma de 10%. Isso reduziria juros e estimularia investimentos. Pode parecer difícil de acreditar, mas nos anos 60 e 70 a taxa de inflação na Coréia do Sul era 20% e a economia crescia entre 7% e 10%.

Ou seja, o Brasil deveria adotar uma política econômica menos ortodoxa para poder crescer mais?

Sim. Uma recuperação do investimento é crítica para o Brasil, baixar os juros também é crítico e para fazer isso o governo terá de aceitar que a inflação poderá subir para 15% e que isso não será o fim do mundo. Além disso, a política se concentra nos detentores dos papéis da dívida. O dinheiro é usado para pagar os credores, não pode ser usado na infra-estrutura. Isso afeta as indústrias. Chegou a hora de repensar toda a estratégia.

Organismos multilaterais e investidores estrangeiros insistem que mais reformas estruturais são essenciais para o Brasil crescer mais. O senhor concorda?

É preciso cautela. Veja a China. A infra-estrutura é muito pobre e os direitos de propriedade, muito confusos. Mas as pessoas põem dinheiro lá, pois estão lucrando. As reformas têm de se concentrar em tornar o Brasil mais competitivo. E reformas, como na Previdência Social, demoram para mostrar resultado. Adota-se uma reforma hoje e nem passou um ano já querem outra. Isso cria confusão. As pessoas têm de ser pacientes.

Como o senhor vê as perspectivas de longo prazo do Brasil?

Mesmo com todos os problemas nestes 25 anos, o País continua sendo um dos casos de maior sucesso de desenvolvimento. Em 1938, o Brasil era um país menos industrializado do que o Equador. Apesar de todos os problemas, o País é hoje a potência industrial da América Latina. Isso é motivo de orgulho para os brasileiros. Mas o problema é que há outros países como a China e Índia que estão investindo em infra-estrutura, em tecnologia. Se isso continuar por mais dez ou 20 anos, o Brasil poderá não competir nem no mesmo nível de hoje. O Brasil tem de olhar no longo prazo. Não se trata mais de se preocupar com a hiperinflação daqui a três ou seis meses.