Título: Agência do setor aéreo decola sem verba definida
Autor: Tânia Monteiro
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/03/2006, Economia & Negócios, p. B5

Anac nasce sob críticas de que seus diretores são 'pilotos sem brevê'

Quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva empossar, nesta segunda-feira, a primeira diretoria da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), o todo-poderoso Departamento de Aviação Civil (DAC) estará em fase de extinção, depois de 75 anos de criação, sendo 65 anos sob o comando da Aeronáutica.

A mudança, embora gradual, é alvo de críticas veladas, já que ninguém quer se indispor publicamente com a nova diretoria e nem com o diretor da mais nova agência reguladora do País, Milton Zuanazzi, indicado diretamente pela ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. Ainda mais que existem 394 cargos comissionados a serem preenchidos, com salários que chegam a R$ 8.300,00. Mas, nos bastidores, militares e civis ligados à aviação dizem que a nova diretoria é composta por "pilotos sem brevê".

"Recebo as críticas com humildade, mas todos os novos diretores têm perfil ligado ao setor aéreo", declarou Milton Zuanazzi ao Estado, ao apresentar seus planos para o novo posto e assegurar que haverá uma transição "pelo tempo que for necessário" entre a atual diretoria do DAC, composta apenas por militares, e a nova, da Anac, formada, até agora, por três civis e um militar da reserva. Pela legislação da Agência, todos os militares deverão deixar a Anac num prazo de até cinco anos, sendo, no mínimo, 20% a cada ano. Hoje são 2200 funcionários no órgão, dos quais 1400 são militares.

"A Anac é um organismo colegiado. Vamos trabalhar em equipe", justificou Zuanazzi. "Não vejo mudanças radicais a curto prazo. O setor aéreo está ficando cada vez mais competitivo, mas necessita de regulação, não pode ficar ao sabor do mercado."

Dentre as preocupações do novo diretor está a questão do overbooking, prática de vender um número de bilhetes superior a oferta de assentos e que atraiu a atenção do governo depois do episódio envolvendo o Comandante do Exército, Francisco Albuquerque, que conseguiu parar um avião para que ele e a mulher pudessem embarcar, no lugar de outros dois passageiros. "O overbooking é matéria de preocupação e não pode ser tratado passionalmente", disse. "Se o problema começar a virar prática, ao invés de exceção, a Anac terá meios de punir." Como exceção, diz ele, o overbooking é permitido e existe em todos os países do mundo. Na sua opinião, porém, o overbooking não pode ser tratado isoladamente, pois ele é uma decorrência do no show (passageiros com bilhete que não comparecem para o embarque). "Seria punir as empresas, sem punir os usuários."

Overbooking, no show, atrasos em vôos serão temas, de acordo com Zuanazzi, de "preocupação constante". "Toda vez que o usuário tiver algum prejuízo, teremos que fazer ajustesa. É a qualidade da prestação de serviço que está em jogo."

ORÇAMENTO

O diretor de Relações Governamentais do Sindicato das Empresas Aéreas (SNEA), José de Anchieta Helcias, prefere falar sobre a sua preocupação com o fato de não haver dotação específica para a nova agência trabalhar. "Como você pode instalar uma agência sem fonte de recursos?", criticou.

O setor aguarda a assinatura de uma medida provisória pelo presidente Lula que prevê o repasse de R$ 250 milhões para a Anac. No entanto, o vice-presidente e ministro da Defesa, José Alencar, apresentou pedido de crédito suplementar de apenas R$ 104 milhões, verba considerada o mínimo necessário para fazer a Anac começar a funcionar. Mas a Fazenda ainda não deu sinal verde para nenhuma liberação de recursos da nova agência, que terá sua sede em Brasília, ao contrário do antigo DAC, que nunca se conseguiu transferir do Rio de Janeiro para a capital do País.

Além de Zuanazzi, tomam posse hoje na Anac, Leur Lomanto, ex-deputado, relator do projeto de criação da Anac durante o governo Fernando Henrique, o coronel da reserva Luiz Carlos Veloso, chefe-interino do subdepartamento técnico operacional do DAC, e Denise Ayres Cunha, ex- assessora jurídica da Casa Civil. O titular da quinta vaga, alvo de enormes disputas políticas, ainda não foi escolhido por Lula.