Título: Rodada contra o relógio
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Fonte: O Estado de São Paulo, 05/04/2006, Notas e Informações, p. A3

As negociações globais de comércio estão em perigo. Se não forem concluídas até dezembro, haverá dificuldades imensas para completá-las no ano seguinte, porque o mandato negociador do governo norte-americano terminará no meio de 2007. Depois disso, qualquer acordo firmado pelos diplomatas dos Estados Unidos ficará sujeito a modificações pelo Congresso. "Trabalhamos contra o relógio", disse no domingo o comissário de Comércio da União Européia, Peter Mandelson. Ele havia passado o fim de semana em reuniões com o principal negociador americano, Rob Portman, e o ministro de Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim. Se houve algum avanço nessas conversas, deve ter sido milimétrico, porque os três se mantiveram rigorosamente na retranca. Nem a habilidade do diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, serviu para aproximar as posições.

Celso Amorim, Peter Mandelson e Rob Portman não poderiam assumir compromissos em nome de 149 países membros da OMC, mas poderiam facilitar o enorme trabalho da rodada, se aproximassem suas posições. Mais uma vez os três negociadores deixaram de cumprir o combinado no final de janeiro, num encontro informal de duas dezenas de ministros em Davos, na Suíça.

Decidiu-se, naquela reunião, que ninguém ficaria esperando a iniciativa dos outros, mas que todos fariam o possível para apresentar, ao mesmo tempo, ofertas melhores para a liberalização comercial. Seria a forma de permitir que as discussões progredissem em todas as frentes.

Mas o encontro encerrado no domingo, no Rio de Janeiro, terminou sem o rompimento do impasse. O Brasil continuou a cobrar melhores condições de acesso ao mercado agrícola europeu, mas não apresentou nova oferta de abertura para produtos industriais. Também na retranca, os europeus continuaram esperando o lance brasileiro e criticando a proposta americana para o comércio agrícola. Os americanos propõem, para a agricultura, um corte de tarifas maior que o oferecido pela União Européia. Mas não põem sobre a mesa uma solução para os subsídios internos que distorcem o comércio.

Os três negociadores se dizem preparados para discutir de forma construtiva e nenhum se dispõe, claramente, a responsabilizar-se pelo eventual fracasso da rodada. Mas também nada fazem de concreto para destravar de fato as negociações.

Em Genebra, diplomatas acreditados na OMC continuam discutindo as questões mais fáceis, mas não podem avançar muito nos assuntos de maior importância estratégica. Tanto na conferência ministerial de Hong Kong, em dezembro do ano passado, quanto na reunião restrita e informal de Davos, em janeiro, ficou acertado que as grandes linhas de um acordo seriam definidas até o fim de abril. A partir daí, os diplomatas, assessorados pelos corpos técnicos, poderiam trabalhar duramente nos detalhes de um grande entendimento. Com vento a favor, seria possível concluir em dezembro as negociações lançadas em Doha há cinco anos.

A expressão usada por Mandelson - "trabalhar contra o relógio" - seria apenas uma obviedade, noutra circunstância. Hoje, é a descrição dramática de um impasse que pode sair muito caro para todo mundo. Todos os participantes do sistema global de comércio poderão ganhar, se houver uma nova etapa de liberalização dos mercados. Todos - incluídos os países do mundo rico - terão, a partir do acordo, alguns anos de transição para adaptar certos segmentos de sua economia. O mundo não será virado de pernas para o ar de um dia para outro.

Mas as forças protecionistas continuam predominando. Além disso, os negociadores do mundo em desenvolvimento não estão conseguindo reconduzir as negociações ao trilho original. Esta deveria ser a Rodada do Desenvolvimento, como foi acertado em Doha no final de 2001. Para isso, seria preciso incluir a agricultura no sistema constituído, ao longo de meio século, para o comércio de bens industriais. Seria preciso, também, que as economias mais desenvolvidas fizessem as maiores concessões.

Mas nada disso ocorreu e só um esforço excepcional, a partir de agora, permitirá concluir, até dezembro, uma rodada razoavelmente ambiciosa de liberalização comercial.