Título: A economia depois de Palocci
Autor: Ribamar Oliveira
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/03/2006, Economia & Negócios, p. B2

O presidente Lula está só cumprindo um "ritual do poder", quando defende veementemente a permanência do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, segundo fontes ouvidas por este colunista. Lula sente-se na obrigação de elogiá-lo, pois reconhece a importância que teve para o governo. O presidente também não quer passar a impressão de que está entregando o seu principal ministro ao primeiro grito da oposição. Mas todo o governo sabe, como lembraram os mesmos informantes, que Palocci está "tecnicamente fora do cargo". As denúncias sobre sua administração em Ribeirão Preto e as notícias sobre sua suposta ligação ao grupo de antigos colaboradores que alugaram a casa em Brasília deixaram Palocci em uma situação frágil. Não é possível acreditar que um ministro chamado de "mentiroso" pelos líderes oposicionistas do Senado, até há pouco tempo seus principais defensores, possa continuar administrando as finanças do País. Manter Palocci vai significar, para Lula, a convivência com uma crise permanente. Qualquer que seja o desdobramento do caso, Palocci não é mais o condutor da política econômica. A sua perda de credibilidade, reconhecida até mesmo por seus defensores dentro do governo, o deixou sem condições de participar publicamente do debate sobre economia que se dará na campanha eleitoral.

É uma constatação lastimável porque Palocci é a pessoa que reuniu, ao longo dos últimos anos, a maior experiência entre os assessores de Lula para dizer qual deve ser o norte do próximo governo, na área econômica, na eventualidade de um segundo mandato. Palocci não só venceu a oposição que lhe fez o PT mas também deu a Lula os resultados econômicos que garantem a ele, até agora, o primeiro lugar na disputa pela Presidência.

Lula deve muito a Palocci, como o próprio presidente reconheceu. Foi Palocci quem tornou Lula aceitável para boa parte do eleitorado em 2002, ao redigir a "Carta aos brasileiros" - a peça de campanha que acalmou os investidores, quando garantiu que o futuro governo cumpriria os contratos e faria o superávit primário necessário para reduzir a dívida pública como proporção do PIB.

Mas a principal missão de Palocci ainda estava por acontecer. Quando o sistema financeiro internacional cortou praticamente todos os suprimentos de recursos ao Brasil, na esteira do calote da Argentina, o governo foi obrigado a fazer uma recessão, inimaginável no receituário petista. Essa provação pela qual o governo passou foi habilmente apresentada por Palocci como parte de uma "transição" do modelo neoliberal do governo FHC ao novo modelo. Não houve novo modelo algum, mas só o aprofundamento da política econômica anterior, com o superávit primário - contra o qual os petistas tanto lutaram durante o governo FHC - sendo elevado para 4,25% do PIB. Na prática, o superávit superou em muito a meta. Em 2005, ele ficou em 4,84% do PIB. A política executada pelo BC, por sua vez, também foi mais rigorosa do que aquela adotada por FHC, principalmente nos últimos anos de seu segundo mandato. O governo Lula chegou a praticar, em 2005, taxa de juro real (descontada a inflação) superior a 13% ao ano.

Quando se olha para a política econômica adotada nos últimos três anos, o papel de Palocci fica mais claro. Ele foi o responsável pela aproximação do governo ao projeto clássico da social democracia - o mesmo executado pelo PSDB. Todos os "excessos" do discurso petista foram postos habilmente de lado. A rigor, não há grandes diferenças entre as políticas econômica e social do governo Lula e as executadas nos dois mandados de FHC, por mais que ambos digam o contrário - as políticas podem ser qualificadas como "social-democratas".

O projeto social-democrata que Palocci e Lula executaram previa o aprofundamento do ajuste fiscal, com objetivo de evitar uma piora da relação dívida/PIB, e a implantação de políticas compensatórias que permitissem uma melhoria dos índices sociais do País. Para isso, os dois elevaram a carga tributária, que atingiu, ao final de 2005, algo como 37,5% do PIB - 2 pontos acima do nível que receberam quando assumiram o governo.

A única diferença com o governo FHC foi que o governo Lula investiu mais em programas sociais. Em 2002, os gastos com programas de transferência de renda para os pobres, que depois foram unificados no programa Bolsa Família, atingiram 0,18% do PIB. Em 2005, as despesas com o programa Bolsa Família subiram para 0,32% do PIB. Os gastos com a Lei Orgânica de Assistência Social e com a Renda Mensal Vitalícia foram equivalentes a 0,38% do PIB em 2002 e a 0,48% do PIB em 2005.

Como FHC, Lula também sacrificou os investimentos em infra-estrutura, pois só dessa forma conseguiu aumentar os gastos sociais, o salário mínimo e o superávit primário. A média dos investimentos nos três anos de Lula foi de 0,7% do PIB, contra 0,9% do PIB no segundo mandato de FHC.

A saída de Palocci do governo põe uma interrogação sobre o programa econômico de Lula em um eventual segundo mandato. Não o programa que será agitado na campanha, mas aquele que será executado. A experiência à frente do Ministério da Fazenda levou Palocci a acreditar que o modelo social-democrata adotado nos últimos dez anos - de alta continuada dos gastos correntes acima do avanço do PIB - está esgotado. Ele mesmo chegou a verbalizar algo neste sentido, quando disse que é preciso, daqui para frente, reduzir as despesas correntes.

O projeto que Palocci vendeu a Lula - e que foi bombardeado pela ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff - previa a redução das despesas correntes (não inclui os investimentos e os pagamentos de juros das dívidas) ao longo dos próximos 10 anos, com objetivo de abrir espaço no Orçamento para o aumento dos investimentos em infra-estrutura e para a redução da carga tributária, que atualmente é a mais alta entre os países emergentes. Além disso, o ministro queria reduzir substancialmente as tarifas de importação para ajudar no combate à inflação e para elevar a produtividade da indústria brasileira.

Se está claro para Palocci o caminho a ser trilhado no futuro, o mesmo não se pode dizer com relação ao PT e ao restante do governo Lula, que insistem no aumento dos gastos sociais. Ainda não é possível enxergar, nas fileiras do PT, outro dirigente que possa desempenhar, num eventual segundo mandato, o mesmo papel que Palocci teve nos últimos três anos. Ou que tenha a clareza dos desafios que o País deverá enfrentar. Este é o vácuo que Palocci deixará no governo Lula, se sua saída se tornar inevitável, como tudo indica.