Título: Levanta-se o pano do grande espetáculo
Autor: Marco Antonio Rocha
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/03/2006, Economia & Negócios, p. B2

O PSDB desceu do muro e saltou no cavalo do governador Geraldo Alckmin. Com isso sobe, afinal, o pano, descortinando o palco da portentosa parada cívico-político-eleitoral brasileira que nos reserva 2006 ¿ e que nos deixará entregues, nos próximos quatro anos, ao ilustre compatriota que guindarmos à Presidência desta difícil República.

Não será uma parada festiva, nem muito pacífica. Nos dois lados há contendores truculentos, dispostos a rabos-de-arraia e navalhadas. Os dois partidos, PT e PSDB, já mostraram, em ocasiões diferentes, que respeitam, sim, o jogo democrático... desde que lhes seja favorável. Quando não parece ser, encontram meios de torcê-lo ou conspurcá-lo.

O PSDB, mais chegado aos salões elegantes e às luvas de pelica, age, digamos, com mais discrição e circunspecção nas suas armações ¿ como foram a busca e a apreensão da almejada reeleição de presidente, uma das mais nefastas inovações da nossa vida política que acabou não servindo aos propósitos partidários de longa permanência no trono, uma vez que não soube administrar com competência o poder que adquirira. Além disso, atropelado pela turbulência internacional, o PSDB deixou que seu velho oponente, o PT, chegasse lá.

O PT, mais afeito ao chão de fábrica, aos botecos e à capoeira, pouco treinado em sutilezas e acobertamentos, acabou expondo entranhas apodrecidas, para espanto até da parcela desinformada da sua militância. Que o digam Frei Betto e outros mais. Exposição degradante que começou com o Waldogate e o bizarro Zé Dirceu, personagem hoje já mais patético do que matreiro, e que desemboca agora no ex-incensado ministro Palocci ¿ a mais recente carta ¿fora do baralho¿, na opinião do mercado financeiro na sexta-feira.

E o presidente Lula, numa desconcertante atitude, repete o erro cometido no caso Dirceu: protege o desastrado, ao invés de pedir sua demissão. E, mais que isso, envia um estafeta ao STF para providenciar com quem lhe deve favores a ¿liminar da mordaça¿, como a apelidou este jornal, para impedir que o caseiro Nildo contasse o que sabe à CPI. Não adiantou nada a manobra, até porque o amordaçado já havia divulgado o que sabia, primeiro no Estado, depois numa entrevista coletiva. E, nos 55 minutos em que não esteve amordaçado, confirmou à CPI o essencial, ou seja, que vira Palocci diversas vezes em ¿diligência¿ não muito funcional à República de Ribeirão.

De modo que, repetindo o filme com Zé Dirceu, de recente memória, a ¿blindagem¿ supostamente em favor de Palocci também não funcionou, voltou-se contra ele. Fica evidenciado que, além de ter mentido à CPI, o ministro temia o que o caseiro ainda tivesse para contar, fosse lá o que fosse. E, se nunca tivesse estado mesmo na misteriosa casa, claro que não precisaria socorrer-se do STF. A partir de hoje, portanto, esse ministro, se ainda não se deu ao respeito e não se demitiu, estará como o seu predecessor da Casa Civil: nem o homem do cafezinho o respeitará dentro do ministério. E será uma pedra no sapato da campanha de Lula, tanto quanto a Febem será na campanha de Alckmin.

Mas é bom constatar o lado positivo nesse episódio, que aparece de maneira indireta, isto é, como o Brasil parece estar mais amadurecido e melhor. O que antes desencadearia um cataclismo no mercado financeiro ¿ a queda abrupta de um ministro da Fazenda no rastro de um escândalo ¿, graças, em parte, à competente gestão de Palocci na área econômica, numa inegável ironia, não parece capaz de trazer grande sobressalto aos corações: dólar, bolsa, juros futuros, etc. não se comportaram, na sexta-feira, diferentemente do que se têm comportado; e, se alguma agitação se notou, foi mais em razão do vencimento de opções nesta segunda-feira do que por qualquer outra causa.

Diga-se de passagem, os operadores do mercado já embutiram, nas expectativas com que raciocinam, a possibilidade da saída de Palocci e a maioria considera que, de qualquer forma, não haverá mudanças de rumo significativas na condução da economia.

De modo que as palavras do colega de Palocci ministro Paulo Bernardo ao nosso Ribamar Oliveira, na sexta-feira ¿ de que a oposição estaria tentando ¿minar a credibilidade¿ de Palocci e desestabilizar a economia ¿, soam infantis apenas. Primeiro, porque a credibilidade do ministro foi irremediavelmente minada por ele mesmo e pela cupincharia de Ribeirão. Segundo, porque não houve, não há e não haverá nenhuma desestabilização da economia ¿ a menos que Lula nomeie o Stédile para o cargo de Palocci. Qualquer um na própria equipe de Palocci, aliás, de alta qualidade técnica, tem condições de tocar o barco com serenidade.

Mas Paulo Bernardo tem razão numa coisa. Os trunfos eleitorais produzidos pela melhoria da economia favorecem Lula. Ainda que a pesquisa CNI/Ibope tenha verificado que 54% dos entrevistados querem que o próximo presidente ¿faça mudanças profundas na política econômica em vigor¿ ¿ o que, aparentemente, indica um estado de insatisfação. Verificação meio inútil, uma vez que não se sabe o que quer dizer ¿mudanças profundas¿. Lula também se elegeu prometendo ¿mudar tudo o que aí está¿ e não mudou nada, nem mesmo a vocação para a maracutaia de todos os partidos brasileiros, da qual o seu se proclamava isento. Ao contrário, pode tê-la intensificado, com essa postura arrogante de arrostar as evidências e adubar o joio que medra nas fileiras do seu trigal.

Mas, embora contraditórios e um tanto primários, os resultados da pesquisa CNI/Ibope (que chama mais a atenção do público por causa das tabelas de intenções de votos) podem oferecer um roteiro para os discursos dos postulantes à Presidência. Por exemplo, é evidente que a geração de empregos é a ação mais demandada pelos eleitores: 58%. Mas surpreende a incoerência do público quando se vê que a redução de impostos (15%), a redução dos juros (8%) e a inflação baixa (6%) merecem pouca atenção e quando se sabe que essas três coisas são fundamentais para elevar a taxa de crescimento da economia e a geração de empregos. Os investimentos em infra-estrutura também têm pouco Ibope (4%), talvez por isso o atual governo tenha deixado as estradas se desmantelarem.

No que se refere às características dos candidatos, a honestidade é a preferida em 60% das respostas. O que é um pouco desconcertante, pois se supõe que 40% dos entrevistados não façam muita questão disso, o que talvez explique a desfaçatez com que se comportaram diversos parlamentares diante das denúncias do mensalão, tanto entre os que foram diretamente acusados como entre os partidários dos primeiros.