Título: Saddam será julgado por genocídio
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Fonte: O Estado de São Paulo, 05/04/2006, Internacional, p. A19

O Tribunal Especial Iraquiano anunciou ontem a abertura de um segundo processo contra o ex-ditador do Iraque Saddam Hussein, desta vez pela morte de quase 100 mil iraquianos de etnia curda, na chamada Operação Anfal, em 1988.

É a primeira vez que Saddam é acusado formalmente de genocídio e limpeza étnica (a tentativa de exterminar toda a população curda). Entidades curdas mencionam 180 mil mortos, mas esse número é contestado por pesquisadores.

Um primo de Saddam, Ali Hassan al-Majid, conhecido como Ali Químico, também é acusado de genocídio. Outros cinco assessores do ex-presidente serão julgados no caso Anfal por crimes contra a humanidade.

A Operação Anfal foi uma campanha militar lançada nos meses finais da guerra contra o Irã (1980-1988) para esmagar os grupos separatistas curdos, alguns dos quais apoiavam os iranianos no conflito. Vilarejos curdos na fronteira com o Irã foram arrasados pelas forças de segurança de Saddam. Seus moradores foram mortos ou removidos à força para outras regiões. Nos termos da acusação são citados ataques a civis e uso do gás mostarda e gás contra os nervos para matar ou expulsar os habitantes. "Temos o depoimento de mais de mil testemunhas", disse o juiz Raid Juhi.

Até agora o ex-presidente só vinha sendo julgado por crimes contra a humanidade pelo massacre de 148 xiitas na aldeia de Dujail, em 1982, após sobreviver a uma tentativa de assassinato. Esse julgamento tem sido conturbado por causa dos discursos de Saddam e outros réus contra as forças de ocupação americanas, pressões do governo sobre o tribunal e o assassinato de dois advogados de defesa. Hoje haverá audiência.

A formalização da nova acusação abre caminho para o início de um segundo julgamento de Saddam, que poderá começar em maio, depois do encerramento do caso Dujail - levado ao tribunal em 19 de novembro. Nesse primeiro processo, Saddam pode ser condenado à pena máxima - a morte por enforcamento. O veredicto é esperado para as próximas semanas.

Ontem o presidente do Iraque, Jalal Talabani, declarou que o tribunal está considerando a possibilidade de adiar o pronunciamento das sentenças nos vários casos, para que Saddam seja levado a julgamento por todos os crimes de que é acusado. Líderes curdos temem que ele seja executado antes de as acusações de genocídio serem consideradas. Não está, claro, porém, se isso será possível.

O ex-ditador ainda deve ser indiciado pelo massacre dos árabes dos pântanos do sul do Iaque, a invasão do Kuwait, a repressão a um levante xiita e de inimigos políticos, entre outros crimes. O juiz Juhi explicou que um outro massacre de curdos, ocorrido na mesma época na cidade de Halabja, será objeto de um processo separado. Cerca de 5 mil pessoas morreram num ataque com um gás venenoso.

Um perito em direito internacional ouvido pela Associated Press argumentou que a decisão de acusar Saddam de genocídio é controversa. Uma convenção internacional realizada depois da 2.ª guerra Mundial definiu genocídio como um esforço para "destruir, parcial ou integralmente, um grupo religioso, nacional, racial ou étnico.

Para o especialista Michael Scharf, será difícil comprovar que houve genocídio porque os curdos que deixaram os vilarejos da fronteira não foram mortos e a operação ocorreu porque a região estaria sendo usada para operações de insurgentes curdos aliados ao Irã durante a guerra.

ATENTADOS

Um carro-bomba explodiu ontem em um bairro predominantemente xiita no leste de Bagdá, matando dez pessoas. Pelo menos outras 12 foram mortas no país na violência sectária e em ataques de grupos que combatem o governo e as forças de ocupação americanas.

Ainda em Bagdá, um recepcionista iraquiano da Embaixada dos Emirados Árabes Unidos e um amigo dele foram feridos quando deixavam o trabalho. Diplomatas e empregados de representações de países árabes e muçulmanos são alvo freqüentes da insurgência, que tenta isolar o governo iraquiano.