Título: Política para índios também é criticada
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/03/2006, Vida&, p. A36

ONU fala em discriminação e demarcação insuficiente de terras

A ONU cobra do Brasil a conclusão da demarcação das terras indígenas até o fim de 2007 e acusa o governo de não ter cumprido as promessas de campanha em relação aos temas indígenas. No documento sobre o racismo e a discriminação no Brasil, o relator das Nações Unidas Doudou Diène faz duras críticas à Funai e pede que o presidente da entidade seja indígena. Ele também revelou ao Estado que o governo tentou alterar alguns trechos do relatório preliminar e que será distribuído para todos os 191 países das Nações Unidas.

"Os povos indígenas (no Brasil) se sentem abandonados e perseguidos pelas autoridades públicas. Não têm diálogo com o governo e têm relações conflituosa com a Funai", avalia a ONU. Os comentários ocorrem pouco tempo depois da turbulência causada na Funai com as demissões e críticas de conselheiros ao presidente da entidade, Mércio Pereira. "A Funai deve ser chefiada por uma pessoa totalmente reconhecida e respeitada pela maioria das comunidades e, preferencialmente, por um indígena", sugere o relatório.

Diène disse que ficou surpreso com os comentários de Mércio quando os dois se encontraram em outubro em Brasília. "Ele (Mércio) concluiu que 12% do território brasileiro é suficiente e nada mais pode ser dado aos índios", afirma o documento. Diène conta que governo tentou retirar essa menção do texto, mas acabou sendo mantido na versão preliminar. A polêmica é a mesma causada pelas declarações do presidente da Funai a uma agência de notícias há dois meses. Mércio explicou mais tarde em entrevista ao Estado que estava fazendo uma comparação com outros países e que seu objetivo era incrementar as terras para 13,5% do território nacional.

Pelos cálculos de Diène, apenas 37% das terras indígenas no Brasil estão demarcadas. Para a ONU, o governo iniciou "apenas poucas demarcações de novas terras e não manteve as reformas prometidas na Funai". Segundo o relator, o presidente da Funai "faz anúncios discriminatórios, decide quem é e quem não é índio e não dá assistência aos grupos". O documento ainda afirma que Mércio teria dito que os índios no País são discriminados só em relação ao Sul, mas que são "reconhecidos e bem-aceitos no resto do País".

A Funai declarou que "é improcedente a afirmação de que os povos indígenas se sentem abandonados e perseguidos". A entidade mencionou o ciclo de conferências regionais dos povos indígenas promovidas no ano passado, que teve a participação de mais de 800 líderes indígenas, eleitos pelas suas próprias comunidades. "De forma inédita, as conferências fomentam a ativa participação dos índios na formulação de uma nova política indigenista", declarou. A entidade acredita que, "em sua breve visita ao País", o relator da ONU coletou dados insuficientes sobre a realidade dos povos indígenas.

Entre as recomendações ao governo, a ONU pede a proteção de líderes da comunidade indígena, melhores sistemas de saúde e educação e comissão parlamentar para investigar os crimes.