Título: Legistas: Milosevic não foi envenenado
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Fonte: O Estado de São Paulo, 18/03/2006, Internacional, p. A21,24

Apesar do resultado da autópsia, Tribunal Internacional vai investigar se houve negligência. Enterro será hoje

HAIA

Os legistas responsáveis pela autópsia no corpo do ex-presidente iugoslavo Slobodan Milosevic não encontraram no sangue dele nenhum vestígio de envenenamento, informou ontem o presidente do Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia (TPII), Fausto Pocar. Ele deixou claro, no entanto, que pretende abrir uma investigação para determinar se houve negligência por parte da direção do presídio. Milosevic teria acesso a vários medicamentos e também a bebidas alcoólicas. Segundo um funcionário do presídio, o ex-ditador fazia sua própria defesa e, por isso, tinha direito a alguns privilégios.

De acordo com o resultado da autópsia, Milosevic morreu de enfarte do miocárdio há uma semana. Uma equipe de cardiologistas russos que acompanharam o filho do ex-ditador a Haia teve acesso ao trabalho dos legistas holandeses e o aprovou. Mas médicos russos deixaram claro que ele não recebeu os cuidados especiais de que necessitava.

O anúncio dos legistas revoltou os nacionalistas sérvios. "Essa conclusão é escandalosa", reagiu em Belgrado Milorad Vucelic, porta-voz do Partido Socialista Sérvio (PSS), fundado por Milosevic. Tanto a cúpula do PSS quanto a família responsabilizam o TPII pela morte de Milosevic, sábado passado numa prisão de segurança máxima de Haia, onde ele era julgado pela morte de 200 mil pessoas nos conflitos da Bósnia e Kosovo nos anos 90. "Ele foi assassinado", repetiu ontem, em Moscou, Marko, filho do ex-ditador, que retirou o corpo do pai do Instituto Forense da Holanda, mas não o acompanhou à Sérvia, onde será enterrado hoje. "O presidente Milosevic estava recebendo drogas incompatíveis com a hipertensão e seus problemas cardíacos", acrescentou o dirigente do PSS, referindo-se ao antibiótico Rifampicina, usado em portadores de hanseníase e tuberculose que anula os efeitos do tratamento da pressão alta.

Ontem, um porta-voz do TPII, Hans Holthuis, confirmou que resíduos de Rifampicina foram detectados no sangue de Milosevic, mas em exames efetuados em janeiro. Donald Uges, um toxicologista holandês que teve acesso a esse exame, disse que o ex-ditador iugoslavo havia ingerido deliberadamente o antibiótico. "Com que propósito fazia isso, não sabemos", acrescentou o toxicologista. Dias antes de sua morte, Milosevic escreveu de próprio punho uma carta ao ministro das Relações Exteriores da Rússia, Serguei Lavrov, na qual dizia estar sendo envenenado e citava a Rifampicina encontrada em seu sangue. "Os que combati em defesa de meu país querem me silenciar", afirmava, pedindo ajuda ao chanceler russo. A Rússia é uma tradicional aliada dos sérvios e dá asilo político à família do ex-ditador iugoslavo.

"O exame de sangue efetuados por ordem dos legistas nada apresentou além de amostras mínimas da medicação prescrita para hipertensão", insistiu o presidente do TPII, Fausto Pocar. No início do mês, Milosevic havia pedido autorização ao TPII para tratar-se numa clínica especializada da capital russa, mas o tribunal indeferiu. "Ele não conseguiu provar que teria melhor atendimento lá do que aqui na Holanda", explicou o presidente do tribunal. "Se o presidente Milosevic tivesse recebido tratamento adequado, estaria vivo", retrucou o porta-voz do PSS, Milorad Vucelic.