Título: Decreto deve adiantar reforma
Autor: Renata Cafardo
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/03/2006, Vida&, p. A17

Universidades particulares acusam governo de tentar driblar debate no Congresso baixando um decreto-ponte

O governo Lula chega ao seu último ano sem uma nova regulamentação para o sistema de ensino superior. O projeto de lei da reforma universitária, depois de quase dois anos de discussão, está parado na Casa Civil. No mês passado, o Ministério da Educação (MEC) divulgou o chamado decreto-ponte, que tem regras quase exclusivas para as instituições privadas.

O prazo para que a sociedade fizesse sugestões ao decreto acabou ontem. Entidades representativas do setor acreditam que a medida é uma tentativa de aprovar, sem discussão no Congresso, parte das idéias da reforma.

O decreto tem pontos em comum com o texto da reforma universitária, como a exigência de credenciamento periódico às instituições. Mas deixa de lado questões polêmicas, como a participação do capital estrangeiro nas instituições de ensino. E propõe novidades, agora também atacadas por reitores das particulares. Ontem, o Fórum Nacional da Livre Iniciativa na Educação, que reúne integrantes de associações e sindicatos do sistema privado, entregou um documento ao MEC com as críticas ao decreto-ponte.

Uma das questões é a criação de um catálogo de cursos superiores tecnológicos. Para ser criado, o curso precisaria estar previsto no catálogo. Hoje, as instituições têm liberdade para oferecer qualquer curso nessa modalidade - que tem preocupação menos acadêmica e mais profissional e duração de até três anos. Já há no País cursos tecnológicos sobre moda, turismo, design de games, ambiente, quiropraxia e até sobre carnaval. "Eles são cursos de inserção social e que respondem à demanda do setor produtivo. Não faz nenhum sentido ter um controle sobre as áreas", diz o vice-presidente do Conselho de Reitores das Universidades Privadas (Crub), Valmor Bolan.

Para o secretário-executivo do MEC, Jairo Jorge da Silva, existe uma proliferação desses cursos e "muitas vezes não há qualquer relação com o setor produtivo". Em 1999 havia 74 deles no País; hoje são 758. Ele explica que o catálogo não será fixo e as instituições poderão sugerir novas áreas.

Segundo Silva, as universidades e centros universitários - que têm autonomia para criar cursos - poderão iniciar um curso tecnológico fora de catálogo desde que em caráter experimental e com avaliação posterior do MEC.

TRANSIÇÃO

Silva afirma que o decreto-ponte - que ainda não tem prazo para ser enviado ao presidente Lula - representa uma transição entre o momento atual e a nova realidade que surgirá após a aprovação da reforma universitária. Ou seja, o decreto presidencial prepararia o terreno para a execução da reforma universitária. "Ele não a antecipa, nem seria correto fazer isso. Ele trata apenas do sistema processual", diz o secretário-executivo.

O documento, no entanto, dá conceitos e definições sobre o sistema, assim como fazia a reforma. Ele define, por exemplo, que o professor que trabalha em tempo integral na instituição deve cumprir jornada de 40 horas semanais. É dito também que os centros universitários e as universidades podem criar qualquer curso. O projeto de reforma dava essa autonomia só às universidades.

O decreto-ponte estabelece ainda prazo de até três anos para a validade do primeiro credenciamento de faculdades e centros universitários e de cinco anos para universidades. O texto da reforma fala em um "pré-credenciamento". O credenciamento de fato só viria após três anos. Os dois documentos também mantêm os pareceres de conselhos de Saúde ou da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) sobre criação de cursos nessas áreas.

"O local desse tipo de discussão é o Congresso", diz o presidente do Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior do Estado de São Paulo (Semesp), Hermes Ferreira Figueiredo. Para ele, o decreto-ponte é um instrumento de burocratização do sistema.