Título: Governo do Irã quer apoio de países da América Latina
Autor: Michael Slackman
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/03/2006, Internacional, p. A14

A aproximação maior é com o principal interlocutor na região, a Venezuela

O Irã volta-se para a América Latina. Acredita que pode encontrar uma saída no continente se a ONU lhe impuser um embargo como conseqüência da disputa com os EUA por seu plano de desenvolvimento nuclear independente. E se aproxima particularmente de seu principal interlocutor na região, a Venezuela de Hugo Chávez.

Mas não se trata apenas do governo de Caracas. Há também os outros governos de esquerda que enfrentam os EUA e se solidarizaram com a teocracia iraniana. Na votação da semana passada no conselho de 35 membros da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), em Viena, o Irã teve apenas três votos a seu favor, para que o caso não fosse levado ao Conselho de Segurança da ONU. Um foi da Síria, um previsível aliado do Irã na região. Os outros foram da Venezuela e Cuba.

"Apoiamos o povo iraniano em seu direito de desenvolver a própria energia atômica. Nossa solidariedade não tem preço. Quando somos amigos, somos até as últimas conseqüências", disse-me o embaixador venezuelano em Teerã, Arturo Anibal Gallegos.

Isto significa que a Venezuela não vai respeitar o embargo, se decretado pela ONU? "As decisões desse tipo serão tomadas pelo presidente Chávez no momento adequado. Mas o Irã sabe que pode contar com o apoio absoluto da Venezuela diante desse ataque dos EUA."

Há uma semana, os dois países assinaram um acordo de US$ 400 milhões para que a empresa iraniana Keyso Corporations construa mil casas em quatro Estados venezuelanos em apenas 15 meses. A isto somam-se quase US$ 2 bilhões em comércio e outros U$ 200 milhões de um fundo conjunto para o desenvolvimento de empresas binacionais. Além, é claro, do petróleo que irmana os dois países. Eles são o quarto e o quinto maiores produtores da Opep e mantêm intensa cooperação na fabricação de petroquímicos e no refinamento de gasolina.

Mas não são apenas projetos econômicos. Há também entendimentos políticos concretos. O presidente Hugo Chávez assegura que o Irã e a Venezuela são "irmãos que lutam contra o mesmo demônio", referindo-se ao governo Bush. "A Venezuela tem muito a aprender com o povo iraniano, que resiste há 27 anos ao bloqueio econômico dos EUA", disse o embaixador.

Para consolidar essa relação, Chávez viajará para Teerã antes de junho. Será sua segunda visita em dois anos. O ex-presidente Mohammad Khatami esteve em Caracas em março do ano passado e já fizera uma visita em 2003. O atual presidente, Mahmud Ahmadinejad, provavelmente irá ao Caribe antes do fim do ano.

As visitas vão selar outro negócio, pequeno, mas significativo. A empresa iraniana que fabrica o Zam-Zam, o refrigerante "antiimperialista", vai abrir uma fábrica em Caracas "para que haja uma alternativa aos refrescos dos ianques".

Com Cuba não há grandes acordos comerciais, mas Teerã tem interesse na tecnologia de satélite de Havana. É a estação de onde se bloqueia a transmissão da Radio Martí, a emissora de propaganda americana. Teerã precisa de um sistema similar para impedir as transmissões de rádio dos dissidentes, a partir de Londres e da Califórnia, e as financiadas por Washington. O governo de Fidel Castro também ajuda na construção de um laboratório de genética avançada em Teerã.

Também houve uma recente aproximação com a Bolívia, desde a ascensão do presidente Evo Morales. O novo líder boliviano propôs ao colega Ahmadinejad uma aliança estratégica trilateral de energia com a Venezuela. Há conversações preliminares para a criação de empresas binacionais de produção de gás.

O Brasil tem relações "normais" com o Irã, como descreve uma fonte diplomática. Há um comércio de cerca de US$ 1 bilhão por ano, com o maior peso nas exportações de soja e óleos vegetais.

Com a Argentina as relações estão congeladas há 12 anos, devido ao atentado contra a associação judaica AMIA. Buenos Aires apresentou vários pedidos judiciais, nunca respondidos. "Eles nem sequer os processaram. Isto, em diplomacia, é como eu cumprimentá-lo e você não responder", explica outra fonte de uma embaixada. Para a chancelaria iraniana, as relações são "baseadas em mal-entendidos". O Irã impôs sanções econômicas e culturais à Argentina em agosto de 2003. Isto não impede que algumas empresas argentinas façam negócios com equipamentos de gás vendidos por meio do Brasil e Dubai. A Argentina só importa cerca de US$ 2 milhões por ano, em tapetes e pistache.

"À medida que o Irã precisar cada vez mais de ajuda de outros países, as relações com toda a América Latina vão melhorar. Primeiro será com os aliados naturais deste momento, como Venezuela, Cuba e Bolívia, mas também com Argentina e Brasil", comenta um terceiro diplomata, enquanto tomamos um chá com tâmaras num bar da Avenida Vali-Asr. "O Irã precisa de muita ajuda neste momento e vai buscar aliados até sob as pedras."